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Archive for the ‘Igrejas de São Paulo’ Category

O Recolhimento de Santa Teresa

Por Edison Loureiro

1915Rua do Carmo cerca de 1915. Ao fundo o Recolhimento de Santa Teresa.

Em 1685, ergueu-se neste local o recolhimento de Santa Teresa, que viria a ocupar todo o quarteirão formado pelas ruas Roberto Simonsen, Venceslau Brás, Irmã Simpliciana e atual Rua Santa Teresa.

As Casas de Recolhimento eram casas religiosas similares aos conventos, com a diferença que as internas não faziam votos ou juramentos solenes, porém da mesma forma usavam os hábitos das ordens a que pertenciam. Tinham a função de asilo, educandário, abrigo e obrigavam aos ofícios religiosos. Nos recolhimentos internavam-se as moças com forte vocação religiosa, assim como também as prostitutas arrependidas. Por outro lado, serviam também para confinamento de mulheres sejam solteiras ou casadas acusadas de má fama, ou de serem infiéis onde ficavam totalmente isoladas enquanto seus maridos ou responsáveis viajavam, ou até como punição. Uma vez aceitas as reclusas somente sairiam com a autorização do familiar responsável, da autoridade civil, ou por interferência do bispo. Ainda estavam longe os tempos da liberação feminina e a proibição das discriminações. No caso específico do recolhimento de Santa Teresa, só se aceitavam internas que soubessem ler e escrever e mediante dote. À Corte portuguesa não interessava que fossem criados conventos no Brasil, pois incentivava o casamento de todas as mulheres para povoar o novo território.

O fundador do recolhimento foi Lourenço Castanho Taques, auxiliado por seu irmão o capitão-mor Pedro Taques de Almeida e Manoel Vieira de Barros que cedeu os terrenos de duas casas que possuía no local. Tudo com o apoio do primeiro bispo do Rio de Janeiro, D. José de Barros de Alarcão, então em visita às terras paulistanas.

Lourenço Castanho Taques, o moço e Pedro Taques de Almeida eram talvez as mais influentes e abastadas famílias de São Paulo daqueles tempos. Filhos do bandeirante Lourenço Castanho Taques, o velho, o moço Lourenço também foi sertanista, fez excursões, aprisionou índios e foi Juiz de Órfãos de São Paulo. Pedro Taques de Almeida ocupou vários cargos, foi provedor e contador da Fazenda Real da capitania de São Paulo, juiz da alfândega, capitão-mor entre 1684 e 1687, alcaide-mor, procurador da Coroa e administrador-geral das aldeias do real padroado. De Manoel Vieira de Barros pouco se sabe, além do fato de também ter sido uma pessoa abastada, de vários negócios e ter ocupado o cargo de mestre de capela da Matriz de São Paulo, ou seja, era o responsável pela organização do coro, das atividades musicais em geral, do ensino musical aos jovens e também de compor músicas.

O responsável pela construção da torre do recolhimento não foi outro senão Joaquim Pinto de Oliveira, o lendário Tebas, mulato escravo alforriado extremamente habilidoso que realizaria outras obras importantes em São Paulo.

Dom José de Barros de Alarcão autoriza o funcionamento do recolhimento em 1685 e em 1748 o primeiro bispo de São Paulo, dom Bernardo Rodrigues Nogueira, autoriza o recolhimento a ter seu próprio estatuto, no qual vemos que a disciplina era severa, como na maioria dos monastérios.

Pelo regulamento acordavam diariamente às 4:30, iam para o coro às 5:00 para as matinas, laudes e prima (os primeiros ofícios do dia), e após as antífonas (as respostas cantadas a cada salmo, versículo, etc.) recolhiam-se às celas para as orações mentais. às 8:00 voltavam ao coro para a tércia e a sexta (outros ofícios que também dão o ritmo do dia conventual) e ouvir a missa. Do coro iam à “casa de labor” para trabalhos comunitários até as 11:00. Aí iam para as suas celas por 15 minutos para meditação “sobre o que tinham feito do tempo em que despertou até o presente momento”. Seguiam para o refeitório até as 12:30 e daí para as celas até as 14:00, voltavam para o coro para rezar as vésperas e voltavam ao trabalho até as 17:30. De volta ao coro para rezar as completas e ouvir 15 minutos de “lição espiritual”, rezar o terço e ir ao refeitório para a última refeição e depois tempo livre de repouso até as 20:30 e uma vez tocado o sino recolhiam-se às suas celas para suas devoções até as 21:30 quando era hora de dormir. Esta era a rotina no recolhimento de Santa Teresa.

Por outro lado, o aparente rigor em que viviam era atenuado pela existência dos dotes e a presença de escravos e escravas para os serviços mais pesados e mucamas para as necessidades particulares.

As três filhas de Manoel Vieira de Barros foram as primeiras hóspedes do recolhimento, cujos primeiros anos foram bem difíceis. Em 1718 estava tão decadente que não tinha nenhuma recolhida. A Câmara chegou a solicitar ao Governo a sua extinção, porém graças aos esforços do bispo do Rio de Janeiro a extinção não ocorreu. Nos anos seguintes, porém através de donativos e legados, recuperou-se, ocupou todo o quarteirão, e em 1809 o recolhimento estava entre os mais ricos proprietários da cidade.

Foi aqui, no recolhimento de Santa Teresa, que entre 1769 e 1770, Frei Galvão, hoje canonizado, foi nomeado confessor e conheceu a irmã Helena Maria do Espírito Santo, que resolveu contar-lhe as visões que tinha sobre um novo convento que deveria ser fundado por seu confessor. Ela tinha 34 anos na época, ele 31. Frei Galvão aconselhou-se com pessoas mais experientes, apresentou o caso às autoridades eclesiásticas e resolveu levar adiante o trabalho, o que resultou no que hoje é o conhecido Mosteiro da Luz onde são distribuídas as famosas pílulas do frei Galvão.

Em 1913, a pedido do arcebispo de São Paulo dom Duarte Leopoldo e Silva, religiosas do Rio de Janeiro foram transferidas e passaram a viver no recolhimento de Santa Teresa com o objetivo de implantar as regras carmelitas de Santa Teresa. O recolhimento torna-se então, Mosteiro Professo da Ordem das Carmelitas Descalças de Santa Teresa.

Por 232 anos viveram as reclusas nos corredores, claustros e capela do antigo recolhimento. Em 1917 são transferidas para o palacete Rodovalho, na Penha, que tinha sido reformado e adaptado para tal. O vetusto prédio de taipa de pilão, com paredes de até um metro de espessura iria em breve desaparecer. Em 1918 são transferidos para a cripta da Sé os despojos dos bispos de São Paulo que estavam provisoriamente no Recolhimento.

O prefeito Washington Luís tinha feito um acordo com o Arcebispo Metropolitano D. Duarte Leopoldo e Silva, primeiro arcebispo de São Paulo que atuava em nome do Recolhimento, para a desapropriação de uma área de 694m2 visando o alargamento da Rua Santa Teresa, pelo preço de 145:000$000 (cento e quarenta e cinco contos de réis), que foi aprovado pela Câmara Municipal em maio de 1919.

Torre Recolhimento
A Rua de Santa Teresa com a torre do Recolhimento à direita e a lateral demolida para o alargamento da rua.

interior do recolhimento
Interior da Capela do Recolhimento de Santa Teresa pouco antes de sua demolição.

Em novembro daquele mesmo ano, o Recolhimento adquiriu por 265 contos de réis uma área de 18.000 m2 nas Perdizes chamada Chácara Lúcia e no ano seguinte inicia-se a construção de novo mosteiro com projeto do arquiteto Alexandre Albuquerque. O novo mosteiro e sua capela anexa foram inaugurados em julho de 1923.

Aí permaneceram as monjas até 1948, quando a propriedade foi cedida para a Pontifícia Universidade Católica (PUC) que havia sido criada dois anos antes.

O Mosteiro de Santa Teresa é então transferido para a Avenida Jabaquara, onde está até hoje.

Referências
Antonio Egydio Martins, São Paulo Antigo
Alfredo Moreira Pinto, A cidade de São Paulo em 1900
Ernani Silva Bruno, História e Tradições da Cidade de São Paulo
Jornal Correio Paulistano, edições de: 06-02-1919, 18-06-1938, 21-06-1917, 28-05-1919, 30-11-1920.
Jornal O Estado de S. Paulo, edições de: 06-08-1918, 07-07-1919, 12-01-1922, 29-10-1917
Jornal O Combate de 18-06-1918.

A Igreja de São Gonçalo

P10809441936A Igreja de São Gonçalo em 2011 e 1936

Por Edison Loureiro

Quem chega à Praça João Mendes, vindo da Praça da Sé tendo à esquerda a Catedral, por onde era antigamente a Rua do Imperador, enxerga logo em frente uma Igreja amarela na direita de uma fileira de sobrados.

Tanto a igreja, como os sobrados parecem um tanto deslocados junto a edifícios de aparência tão séria.

Mas esta pequena igreja foi o marco inicial desta parte da cidade. Por muito tempo esta foi uma região isolada da pequena cidade de São Paulo, que ocupava vagarosamente os arredores do Pátio do Colégio. Esta região só começou a ser urbanizada a partir de 1757, quando uma pequena capela de pardos foi construída onde está a pequena igreja amarela.

Trata-se da igreja de São Gonçalo. São Gonçalo Garcia para esclarecer, já que existem dois santos de nome Gonçalo, este de quem estamos tratando e São Gonçalo do Amarante, este tão casamenteiro quanto Santo Antônio.

São Gonçalo Garcia era pardo e nasceu na Índia, filho de pai português e mãe indiana. Foi franciscano e morreu crucificado em Nagasaki, Japão em 1579, juntamente com mais 22 missionários. Foi beatificado por Urbano VIII em 1627 e canonizado por Pio IX em 1852.

Em 1724 foi formada na igreja de Santo Antônio a comunidade de Nossa Senhora da Conceição e São Gonçalo Garcia, que recebeu em 1756 a provisão do frei Antônio da Madre de Deus Galvão para a construção da capela a que nos referimos.

Foi dedicada à Nossa Senhora da Conceição pois Gonçalo Garcia ainda não havia sido canonizado. Com o tempo foi se deteriorando e por volta de 1840 foi construída esta igreja. Seu construtor foi Nicolau Alves da Fonseca, conhecido como Carranca. Existem registros mostrando uma disputa judicial com a Câmara, pois Carranca avançou em terreno os limites concedidos à irmandade. Esta disputa deve ter durado um bom tempo, pois o caso deixa de ser citado somente a partir de 1863.

A igreja passou por algumas reformas durante a segunda metade do século XIX e o frontispício que vemos hoje foi feito em 1881.

Em 1893, João Mendes de Almeida, que dá seu nome à praça, e morava ao lado, onde hoje é a Padaria Santa Tereza, reuniu recursos para uma última reforma na igreja, que neste mesmo ano passou a ser uma das poucas igrejas sob a guarda dos jesuítas.

Quando desabou o telhado da antiga Igreja do Pátio do Colégio, a Igreja de São Gonçalo recebeu o relógio e várias outras peças, inclusive a pedra que fica acima da porta de entrada. Tem uma certa lógica, pois o antigo Colégio foi fundado pelos jesuítas.

Em 15 de abril de 1966, D. Agnelo Rossi, cardeal-arcebispo de São Paulo, criou a Paróquia Pessoal de São Gonçalo especialmente para os japoneses e a confiou aos jesuítas. A igreja passou então a ser a Matriz da Paróquia. Todos os domingos às 8:00 h as missas são rezadas em japonês para a comunidade nipônica. O nome oficial hoje é Matriz Paroquial Pessoal Nipo-Brasileira São Gonçalo.

Sua companheira, a Igreja dos Remédios que ficava à esquerda, fechando a praça à altura da Avenida Liberdade já foi demolida no final da década de 1940, Mas S. Gonçalo continua firme no seu lugar oferecendo o pão que alimenta o espírito dos católicos. Como estes não são de ferro, podem aproveitar e dar uma passadinha ao lado, na Padaria Santa Tereza para um bom pão que alimenta o corpo e, de quebra, um cafezinho.

Boas Novas da Boa Morte

Igreja da Boa Morte, vista da Rua Tabatinguera

Reaberta após passar por cuidadoso restauro,  a Igreja de Nossa Senhora da Boa Morte é uma das mais antigas do centro de São Paulo e chama atenção por um outro fato: é a única da região central aberta 24 horas por dia.

A Irmandade de Nossa Senhora da Boa Morte nasceu no século  XVI no Pátio do Colégio de São Paulo, através dos jesuítas, tendo como seu primeiro local de culto a Igreja do Colégio, passando posteriormente para o Convento do Carmo. Em 1802, após licença eclesiática do bispo de São Paulo, d. Mateus de Abreu Pereira, a irmandade adquiriu de Joaquim de Sousa Ferreira um terreno na rua do Carmo. Por oito anos os irmãos trabalharam para a conclusão das obras, e em 14 de agosto de 1810 foi realizada a bênção solene do templo, inaugurado oficialmente em 25 do mesmo mês.

Igreja da Boa Morte - Seu sino servia de alerta para a chegada de visitantes ilustres

Do alto da Tabatinguera, sua torre avistava os viajantes que, pela estrada do Ipiranga, via Santos, chegavam a São Paulo, e seu sino dava o alerta, que era repetido pelas igrejas do Carmo, Sé,  São Gonçalo, São Francisco, São Bento, Santa Ifigênia, entre outras. Com o crescimento da cidade e da altura dos edifícios, a torre das “Boas Notícias”, como era chamada, acabou perdendo a sua função.

Bastante simples, a igreja até hoje ainda segue a descrição que dela fez Alfredo Moreira Pinto no seu livro A Cidade de São Paulo, em 1900: “Tem cinco janelas de frente, a torre à direita, a porta principal e duas laterais. O seu interior não tem ornamentação digna de menção. Possui a capela-mor com seis tribunas, e um altar com a Senhora da Boa Morte. No corpo da igreja há seis tribunas, dois púlpitos e dois altares, da Senhora da Piedade e Nossa Senhora da Conceição”.

Um fato curioso é que, após a expulsão dos jesuítas, a irmandade se viu em apuros. Como fora criada por esses religiosos, acabou sendo alvo de processo por parte da coroa portuguesa devido à adoração perene do Santíssimo Sacramento. Cada irmão recebia um papelzinho escrito à mão em que se determinava o mês, dia e hora em que cada um devia fazer as orações ao Santíssimo Sacramento. Como a técnica se revestia de certo mistério que levou à suspeita de um ato pró-jesuíta, o governo interveio. Após a devassa, constatado que nada de errado havia, a irmandade pode seguir com sua devoção em paz.

 

Altar principal e tribunas laterais

Pintura do teto descoberta durante os trabalhos de restauro