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Archive for the ‘Tradições Paulistanas’ Category

A história do Bar Viaducto

Por Edison Loureiro

SPP48a 30X40pO Café São Paulo e Bar Viaducro na Década de 1910, esquina das ruas Líbero Badaró e Direita

Os mais antigos devem se lembrar do famoso e elegante Bar Viaduto. Ficava na Rua Direita, 141, pertinho da Quintino Bocaiúva e do Palacete Toledo Lara onde se instalou a Rádio Record durante muito tempo. Os funcionários e artistas da Record eram sempre encontrados por lá. Famoso por seus sorvetes e petiscos e elegante por sua frequência e pela orquestra instalada no mezanino.

Mas o que talvez poucos saibam é que sua história remonta ao começo dos anos 1890.

A referência mais antiga que eu localizei é de um pequeno anúncio de jornal apregoando as qualidades do Café Viaducto que poderia ser encontrado no estabelecimento de “molhados finos de Borges, Milhomens & Guimarães, na Rua Direita, canto do Viaducto”. Em 1893, não era necessário dizer que se tratava do Viaduto do Chá, inaugurado no ano anterior, pois não havia outro na cidade.

Não encontrei nenhuma evidência, mas é provável que além de vender o café torrado e moído, também servisse a bebida preparada aos seus fregueses a exemplo do que faziam os outros poucos estabelecimentos similares que existiam em São Paulo.

1 - CSP 08-06-1893 cropJornal O Commercio de S. Paulo de 08-06-1893

Já em 1895 Milhomens e Guimarães saem da sociedade, que passa a ser dirigida por Antonio Monteiro Soares e Pedro Antonio Borges com a firma Monteiro & Borges e continuaram a vender café no mesmo prédio do “canto do Viaducto”.

Foi em 1907 que aconteceu a grande transformação. Já com Pedro Antonio Soares fora da sociedade que agora se chamava Monteiro &Comp., o jornal Correio Paulistano informava que “os proprietários do Café Viaducto transformaram este antigo estabelecimento numa bem installada confeitaria”. A inauguração foi em seis de dezembro, uma sexta-feira, com direito a uma “lauta mesa de doces regada a champagne” e orquestra animando a festa. Manteve-se no mesmo local, Rua Direita, esquina com a Líbero Badaró, “canto do Viaducto”. Logo em seguida inaugura uma filial na Av. Duque de Caxias com a Rua dos Guaianazes, no então elegante bairro do Bom Retiro.

5 - CP 06-12-1907 cropJornal Correio Paulistano de 06-12-1907

Em 1909 o Bar Viaducto é adquirido pelo Depósito de Café São Paulo, que pertencia à empresa Alves & Azevedo e muda o depósito para o local do bar Viaducto, mantendo seu “confortável ‘Salão-Bar’ e bem montada confeitaria”.

Mas não ficou por muito tempo no “canto do Viaducto”. Aquele prédio foi demolido em 1912 para a construção da residência do Conde Prates, que parece que nunca chegou a morar no local. Acabou abrigando o Grand Hôtel de La Rotisserie Sportsman, depois a sede do jornal Diário da Noite, nos anos 1930 cedeu o lugar para o edifício de mármore travertino que abrigou a sede das Indústrias Matarazzo e hoje é a Prefeitura de São Paulo.

bar viadutoRevista A Cigarra de 31-12-1914

O Bar Viaduto muda-se então para um sobrado estilo chalé que existia na esquina da Rua Anchieta com o Largo do Palácio, como era conhecido o Pátio do Colégio. Lá o encontramos em 1914 em uma reportagem da revista A Cigarra. A esta altura a firma Alves, Azevedo e Cia. já estava próspera, tendo adquirido um grande laticínio em Santa Bárbara o Monte Verde, MG, onde fabricava a afamada manteiga Viaducto que era vendida por quilo ou em latinhas. A manteiga chegou a receber um prêmio de honra e medalha de ouro na exposição de Milão de 1915. Além daquele laticínio, a empresa adquiriu fábricas em Lima Duarte e Santa Rita de Cássia em Minas Gerais e em Casa Branca, SP.

Mas não ficou muito tempo no Largo do Palácio. Em quatro de maio de 1916 era inaugurado o Bar Viaducto da Rua Direita, no antigo número 27, atual 141.

Em 1920, os sócios da empresa desfazem a sociedade, vendem o Bar Viaducto e dedicam-se exclusivamente às atividades das fábricas e venda por atacado. O Bar Viaducto passa então às mãos de Justo Fontana e Cesare Caselli, que formam a empresa Fontana & Caselli.

7 - OESP 13-10-1920 Bar Viaducto crop1Jornal O Estado de S. Paulo de 13-10-1920

Em 1923 o bar passa por remodelação e modernização, até a orquestra é substituída por uma com repertório mais apropriado para a época.

Em 1930 Julio Fontana resolve retirar-se para a Itália e a sociedade então é desfeita e formada uma nova com Cesare Caselli, Enrico Fontana, Octaviano Doas e Arturo Morassuti.

O Bar Viaduto, agora na nova ortografia sobreviveu até o começo da década de 1950. Em 1955 a Casa Beethoven, em expansão, acaba tomando o se lugar. Hoje vive apenas na lembrança de paulistanos mais antigos.

JN 08-09-1950 crop

JN 08-09-1950 crop1Jornal de Notícias de 08-09-1950

Com a colaboração e incentivo de Felipe Alexandre Herculano e Maria Paula Cosme.

Salão musical da Marquesa de Santos

Programa fantástico a respeito da música no tempo da Marquesa de Santos, vale muito ouvir, é uma viagem no tempo com trilha sonora!

http://culturafm.cmais.com.br/saloes-musicais-historicos/saloes-musicais-historicos-2012-07-25

Ex-libris sobre São Paulo

Matéria do jornalista Edison Veiga do jornal O Estado de São Paulo falando sobre a minha coleção de Ex-Libris com alguns destaques referentes a São Paulo

 

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“Quando Começou em São Paulo?” hoje, no Salada Paulista

Hoje, sexta-feira, dia 13 de abril, as 16hs o guia turístico Laércio Cardoso de Carvalho estará autografando seu livro “Quando começou em São Paulo?”, no Salada Paulista

Laércio, um dos melhores guias da cidade, sempre com informações prontas e precisas sobre fatos, construções, comportamento e história cultural e material da cidade de São Paulo, coletou durante anos as informações curiosas desse seu livro. A obra é imperdível.

O Salada Paulista fica na rua “J” no Mercado Municipal – Rua da Cantareira, 306

Quando começou em São Paulo? 458 respostas

Na semana passada conheci o Laercio Cardoso de Carvalho, guia turístico da Caminhada Noturna patrocinada pelo Carlos Beutel, do restaurante Apfel. Esta semana, quando São Paulo comemora 458 anos, o Laercio me envio seu livro: Quando Começou em SP? 458 respostas pelo guia de turismo Laercio Cardoso de Carvalho.

Com estilo de almanaque, a obra conta quando atividades, equipamentos urbanos, serviços e tipos de construção começaram em São Paulo. O livro também revela que nossa cidade foi pioneira, tanto na América Latina, quanto no mundo, em diversos segmentos, sobretudo na participação feminina em diversas atividades antes exclusivamente masculinas.

A obra é repleta de curiosidades sobre nossa cidade e seus serviços. Como a primeira regulamentação cemiterial da cidade. O regulamento previa que se o morto não estivesse morto, e se levantasse do caixão durante o velório, tinha que pagar uma multa de 100 réis!

O livro é ilustrado com fotos em p/b, tem 181 páginas, custa R$ 30,00.

O lançamento será no dia 14 de fevereiro, terça-feira, no Restaurante Apfel Jardins, Rua Bela Cintra, 1343 das 19h30 às 21h00. Caso não possa comparecer os pedidos podem ser feitos diretamente com o autor pelo e-mail: laerciocardosodecarvalho@yahoo.com.br

Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo dá posse a novos membros e comemora 450 anos da morte de Tibiriça

Dia 25 de janeiro, aniversário da cidade de São Paulo, é um dia de festa no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Nessa data, tradicionalmente, é dada posse aos novos membros da instituição. O IHGSP localiza-se em um prédio próprio no coração do centro antigo de São Paulo, na Rua Benjamin Constant, 158, entre a Praça da Sé e o Largo São Francisco.

Pouca gente que passa pelo vetusto edifício repara em sua grandiosa porta negra. Essa porta já se abriu diversas vezes para dar passagem a personagens ilustres da história do Brasil, como o imperador d. Pedro II, a princesa Isabel e seu marido, o conde D’Eu. Mas como?, deve estar pensando o esperto leitor. O prédio parece ser da década de 50 do século passado! E realmente, o prédio foi inaugurado em 25 de janeiro de 1954, porém a porta pertenceu ao antigo palácio do governo de São Paulo.

Quando o palácio, que ficava no Pátio do Colégio, foi demolido, um membro do instituto, Nicolau Duarte Silva, comprou a porta e com a construção da sede própria doou-a para a instituição.

No próximo dia 25, no IHGSP, o grande homenageado será o cacique Tibiriçá, o primeiro índio a ser catequizado pelo padre José de Anchieta. Tibiriçá foi um auxiliar valoroso na fundação e, principalmente, na proteção do colégio jesuíta, célula primeira de nossa cidade. Os restos mortais do cacique repousam hoje na cripta da Catedral da Sé, no centro de São Paulo, graças a esforços de antigos membros do Instituto. Nicolau Duarte Silva, Afonso Taunay,  Ricardo Gumbleton Daunt, entre outros sócios do IHGSP, localizaram as ossadas de diversos personagens históricos importantes para a história de São Paulo e conseguiram que a Cúria os depositassem na cripta da nova catedral, na década de 1930.

Dia 25 também será especial pela entrada no instituto do colega blogueiro Douglas Nascimento, que mantém, junto com Gláucia Garcia de Carvalho, o São Paulo Antiga.

Segue abaixo a programação:

Hino Nacional cantado em guarani: Mestre Robson Miguel

Pai Nosso em tupi-guarani: Marluy Miranda, tenor: Gualtieri Beloni Filho

Palavras da Presidente: Nelly Martins Ferreira Candeias

Palavras do Ministro e Embaixador: José Gregori

Entrega da Medalha Comemorativa do IV Centenário da Fundação da Cidade de São Paulo

Posse da Diretoria, triênio 2012 a 2014

Solenidade de Posse

Brasil: Alfredo Duarte dos Santos, Carmen Lúcia Vergueiro Midaglia, Douglas Rodolfo Nascimento, Eduardo Conde, Érico Storto Padilha, Hagor Kechichian, João Tomas do Amaral, Louiz Carlos Pacheco e Silva, Manuel Alceu Affonso Ferreira, Marcos da Costa, Milton Luiz Festa Basile, Paulo Adriano Lopes Telhada, Roberto Fortes, Rogério Vidal Gandra da Silva Martins e Tales Castelo Branco.

Portugal: Rui Miguel da Costa Pinto

Pronunciamento: Manuel Alceu Affonso Ferreira

Saudação aos novos membros: Hernâni Donato, Presidente de Honra

Oração à cidade de São Paulo, poema de Paulo Bomfim, declamado por Pedro Paulo Penna Trindade

Sessão Musical: Mestre Robson Miguel

A Bucha: sociedade secreta paulista

O desavisado que perambular pelo térreo da Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco, centro de São Paulo, por certo estranhará um obelisco plantado em meio ao mais ermo e silencioso de seus pátios. Curioso, notará as alegorias funerárias: tochas em cantaria e demais elementos em bronze, como a placa em latim anunciando que, sob aquelas pedras centenárias, encontra-se enterrado o corpo de um professor, morto de pneumonia em 1841. Júlio Frank, nascido em 1808 — e não em 1809, como consta no túmulo —, seria o criador da

Túmulo de Júlio Frank - Faculdade de Direito da USP

Burschenschaft Paulista, também conhecida como Bucha, ou simplesmente B. P., uma organização formada por estudantes da velha São Francisco. Nascida como uma maçonaria estudantil cujos membros, com o tempo, vieram a ocupar postos-chave no governo, a Bucha passou a atuar fortemente na política brasileira até a queda, em 1930, de Washington Luís (1869-1957), o último presidente bucheiro do Brasil, ao menos que se saiba…

Júlio Frank era um estudante universitário alemão que veio fugido para o Brasil. Envolvera-se em brigas e dívidas durante seu curso na Universidade de Göttingen. Chegou ao Rio de Janeiro em 1831, logo após a abdicação de d. Pedro I. Em 14 de julho partiu para São Paulo. Estabeleceu-se, inicialmente, na colônia alemã da Real Fábrica de Ferro São João do Ipanema, atual Iperó, de onde seguiu para Sorocaba. De caixeiro, passou a dar aulas particulares aos jovens que queriam prestar concurso para o Curso Anexo da Academia de Direito de São Paulo, espécie de preparatório para a faculdade. Protegido pelo influente político liberal sorocabano Rafael Tobias de Aguiar (1795-1857), mudou-se para São Paulo. Deu aulas em repúblicas estudantis até ser contratado em 1834 pelo próprio protetor, presidente da Província, como professor de História e Geografia no Curso Anexo.

O contato diário com os alunos influenciou a formação da sociedade secreta estudantil Burschenschaft (Sociedade de Camaradas). Embasada em ideais liberais e antiabsolutistas, com os quais Frank teve contato no seu tempo de estudante, a Bucha, inicialmente, auxiliava estudantes sem recursos, mas com potencial e vontade de estudar, de modo velado, sem que se soubesse quem eram seus protetores. Com o passar do tempo, a organização extrapolou as arcadas do velho convento franciscano: conforme iam se formando, granjeando cargos importantes, os ex-alunos buscavam colocações para os que estavam terminando o curso. O ideal inicial também foi sendo modificado: no início, a organização era liberal, abolicionista e republicana; porém, arrefecendo-se os ardores juvenis e conforme seus integrantes eram absorvidos pela burocracia governamental, passou a contar com membros conservadores, escravocratas e monarquistas.

Os discípulos de Frank criaram uma estrutura dividida em graus e assim organizaram a Bucha dentro e fora da São Francisco: na faculdade, ela era constituída por Catecúmenos, Crentes e Doze Apóstolos; fora, por Chefes Supremos e o Conselho dos Divinos. Seus membros eram escolhidos entre os estudantes que se destacassem por sua firmeza de caráter, espírito filantrópico, amor à liberdade e aos estudos.

As velhas arcadas da São Francisco

As velhas arcadas da São Francisco

Durante a República Velha, acredita-se, não havia ministro, juiz, ou mesmo candidato à presidência da República, que tomasse posse, ou fosse indicado, sem prévia deliberação pelo Conselho dos Divinos.

O líder estudantil da Bucha era o chaveiro, um estudante do quinto ano. Próximo ao final do período letivo, uma velha chave era pendurada, a cada dia, em um pilar das Arcadas. No último, acontecia uma grande festa, que durante a República Velha contava com a presença do presidente da República, do presidente da Província, do prefeito, de ministros e juízes do Supremo. O jornal O Estado de São Paulo, cujo diretor, Júlio Mesquita Filho (1892-1962), foi um chaveiro, dava ampla cobertura. A banda da polícia tocava, havia banquete, e nessa ocasião a chave era passada do estudante que estava se formando para um do quarto ano.

A história da faculdade revela que mais de um estudante, por diversos motivos, ao não conseguir completar seus exames, transferia-se para a faculdade de Recife — também criada pela lei de 1827 e trazida de Olinda. Para lá teriam levado os princípios da Bucha, influenciando a criação da Tugendbund (União e Virtude).

Durante algum tempo, no subsolo do prédio construído para ser a sede do Liceu de Artes e Ofícios, onde hoje está a Pinacoteca do Estado, foram realizadas reuniões da Bucha, onde políticos de influência nacional prestavam-se aos rituais românticos da sociedade das Arcadas. Conta-se que durante a 1ª Guerra um delegado, vendo a estranha movimentação no Jardim da Luz, e pensando tratar-se de espiões alemães, invadiu uma reunião, dando voz de prisão a um grupo fantasiado. A ordem foi rapidamente revogada pelo próprio presidente da Província, um dos presentes a essa reunião da Bucha, juntamente com o prefeito. O delegado foi iniciado como bucheiro para preservar o segredo da instituição.

Os bucheiros atuaram na criação da Liga Nacionalista, inspirada nos ideais do poeta Olavo Bilac (1865-1918). A Liga, entre outras coisas, pregava a melhoria e a ampliação da instrução pública no Brasil. Fundada em 1917 pelo professor Vergueiro Steidel (1867-1926), da São Francisco, e tendo como presidente honorário o “Príncipe dos Poetas”, a Liga colaborou ativamente, até mais que o próprio governo, durante a catastrófica passagem de Washington Luís pela prefeitura paulistana. O período ficou conhecido como os cinco gg: Gripe, Guerra, Greve, Geada e Gafanhoto.

A Liga ajudou a montar hospitais e cuidar das viúvas e órfãos durante a epidemia da Gripe Espanhola. A Liga Nacionalista, braço da Bucha perante a sociedade paulista e brasileira, aglutinou na sua direção membros da Faculdade de Medicina e da Politécnica. Estas possuíam também suas próprias organizações estudantis, coirmãs da Bucha: a Jungendschaft (União da Mocidade), na Medicina, e a Landmanschaft (sociedade das pessoas de um mesmo campo), na Politécnica.

A decadência da Bucha começou com a ordem do presidente Arthur Bernardes (1875-1955) de proibir o funcionamento da Liga Nacionalista, após a revolução tenentista de 1924 em São Paulo. Tanto a Liga quanto a Bucha, aliadas à Associação Comercial de São Paulo, chefiada então pelo ex-chaveiro José Carlos Macedo Soares (1883-1968), tiveram importante papel na proteção do povo e na tentativa de abastecimento da capital durante o cerco das tropas legalistas, e foram punidas por isso. Outro fator que causou a decadência da Bucha foi a distorção dos seus valores iniciais. Dentro das Arcadas, com a criação do Centro Acadêmico XI de Agosto, uma instituição forte, com dotação própria, a benemerência da Bucha transformou-se em moeda de troca: quem votasse na chapa de membros bucheiros para a diretoria do grêmio receberia boas indicações e facilidades para sua vida profissional extramuros; quem não apoiasse a chapa estaria fora dos conchavos políticos. Isso causou indignação de uma facção de alunos, que passaram a combater a Bucha dentro do local de seu nascimento. O Partido Republicano Paulista, órgão político dominado pelos bucheiros, rachou em 1926 com a criação do Partido Democrático Paulista, formado em grande parte por ex-integrantes da Liga Nacionalista, que se colocariam ao lado da Aliança Liberal contra o PRP, em 1930.

A importância dos membros da Bucha na política, na diplomacia e no direito pode ser resumida em uma história. Quando a polícia política do Estado Novo invadiu a Faculdade de Direito, apreendeu documentos da Bucha e os enviou a Getúlio Vargas (1882-1954). Este, ao tomar conhecimento das pessoas envolvidas, teria resolvido deixar a questão de lado: não seria possível governar o Brasil sem eles. Outro político famoso, Carlos Lacerda (1914-1977), ao ter acesso a documentos da Bucha, afirmou, a respeito da história dessa sociedade, que “ou se tem o mínimo de documentação, ou não adianta contar, porque vão pensar que é um romance”.

Paulo Rezzutti

(Texto original do meu artigo publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional de junho de 2011)

O dia de finados: a marquesa de Santos é pop

Regina Cascão, do Colégio Brasileiro de Genealogia, todo ano, à época do dia de finados, envia para a GenealBr, uma lista de genealogia da qual participo, uma bonita mensagem sobre as três mortes do ser humano, que reproduzo em parte abaixo:

“No México existe a crença de que cada pessoa morre três vezes. A primeira é no momento em que suas funções vitais cessam. A segunda é quando o seu corpo é colocado na tumba. A terceira acontece em algum momento no futuro, no qual o nome do falecido é pronunciado pela última vez. Aí então a pessoa realmente morre.” (Para ver o texto origial clique)

Miniatura retratando a Marquesa de Santos (col. particular)

Há exatos 143 anos, em 3 de novembro de 1867, falecia no Palacete de Carmo, vizinho ao Pátio do Colégio, no centro de São Paulo, Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos. Se os mexicanos estiverem certos, a marquesa não terá com que se preocupar durante sua eternidade! Soube no fim de semana que Paula Lavigne irá produzir um filme sobre a ilustre paulistana, e hoje li que Rosi Young afirma que ela é quem vai transportar para a tela a história de Domitila. Faço votos para que alguém realmente faça, e que a película não chova no molhado sem acrescentar novidades sobre uma das principais figuras femininas do Primeiro Reinado.

Além desse futuro filme, a Geração Editorial relançou no ano passado o Marquesa de Santos, do Paulo Setubal, e sei, de fonte bastante fidedigna, que um novo livro sobre d. Pedro I e a Marquesa de Santos será lançado no ano que vem, tranzendo muitas novidades sobre os amores imperiais do primeiro governante do Brasil independente.

Espero que alguém, além de Maria Fernanda Cândido na belíssima palestra produzida pela Casa do Saber para a exposição sobre Domitila no ano passado, aborde as diversas facetas dessa mulher.

Pistoleira, alpinista social, canalha, ela já foi chamada de tudo um pouco, mas quem realmente foi Domitila? Uma mulher, como diversas outras, que se viu nas graças de alguém poderoso que a amou a ponto de elevá-la.

Em 1819, após ter sido esfaqueada em São Paulo pelo primeiro marido, alguns dizem por traição, outros porque ele era um mau-caráter que fazia ela e os filhos passarem necessidades, Domitila resolveu se separar.  Um escândalo para a época, mas não para os Toledo Ribas e nem para os Canto e Melo, pois a tia materna também era uma divorciada. A briga que se seguiu pela guarda dos filhos a levou a pedir intercessão de d. Pedro I, que estava em São Paulo em agosto de 1822. Apaixonaram-se e… bem, aí ele chamou-a para morar no Rio de Janeiro e manteve praticamente uma segunda família além da oficial, com Domitila ficando grávida praticamente junto com a imperatriz Leopoldina diversas vezes, tanto que o único filho homem que d. Pedro teve com a marquesa tinha diferença de dias com o futuro Pedro II. Vivos desse relacionamento só sobraram duas meninas, Isabel Maria, Duquesa de Goiás, e Maria Isabel, Condessa de Iguaçu por casamento (OK, eles não foram criativos). Isabel Maria foi mandada para ser educada em Paris, com cinco anos. Belinha, como Pedro I a chamava, era a sua filha preferida. Casou-se na nobreza alemã, onde deixou uma grande descendência. A outra filha, Maria Isabel, epilética como o pai, nasceu após o banimento da mãe da corte e foi criada por Domitila em São Paulo. Casou-se com um filho do Marquês de Barbacena, o mesmo que trouxe a bela e virgem princesa alemã Amélia de Leuchtenberg, de 17 aninhos, para ser nossa segunda imperatriz.

Detalhe do túmulo da Marquesa de Santos no Cemitério da Consolação, São Paulo

Milhares de pessoas que visitaram seus parentes ontem no cemitério da Consolação, em São Paulo, devem ter rezado na capela, que fica praticamente na frente do túmulo em que jazem os restos mortais de Domitila. Mas poucos sabem que é à marquesa que São Paulo deve a edificação dessa capela. No seu testamento, além de lembrar-se de dar alforria aos escravos e providenciar que os filhos cuidassem deles, de ajudar seus parentes e doar dinheiro para os pobres que não solicitavam esmolas, ela também deixou determinada a doação de dinheiro para a capela do novo cemitério. Como história é para os que têm memória, ou que gostam de determinado assunto, acho que vou entrar com uma reclamação no Ministério Público (está na moda) para que a Prefeitura seja obrigada a tirar aquela placa falando que Domitila foi a doadora das terras para constituir o cemitério da Consolação. Além de paulista não gostar de sua história, ainda a Prefeitura contribui com a situação contando de forma errada!

Será que a eleição de Dilma Rousseff como primeira presidente do Brasil fará com que os olhos dos brasileiros voltem-se para as suas figuras femininas do passado? É torcer!

Jânio Quadros e o Monumento a Olavo Bilac

Detalhe de um postal da época

Quem está acostumado com o folclore urbano paulista sabe que não é de hoje que os alunos da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco sequestram estátuas para embelezar sua escola. A velha estátua de José Bonifácio, O Moço (sobrinho e neto* do patriarca), que se encontra em um nicho no hall de entrada do edifício, está lá como prova do velho hábito. Sendo, provavelmente, a primeira estátua em memória a um personagem erguida em espaço público na cidade, foi inaugurada em 1890.  Localizava-se no Largo de São Francisco, em um alto pedestal, defronte à Rua São Bento, foi retirada pela prefeitura em 1936 devido a execução de melhoramentos na praça. Alguns estudantes foram até o gabinete do prefeito Fábio Prado tentar reaver a estátua. Como não

Largo na década de 30

conseguiram contar com sua compaixão, um acadêmico, que trabalhava no local, furtou um papel timbrado. Com ele, o grupo falsificou o pedido de entrega da obra, e assim conseguiram retirá-la do depósito e levá-la para dentro da faculdade.

Uma das peças que ornam o largo, a estátua O Idílio, também conhecida como O Beijo Eterno, no qual o bronze eternizou o ósculo de um francês com uma índia, ainda hoje chama a atenção. O que poucos sabem é a história dessa obra.

Na década de 10 do século passado, Olavo Bilac e sua campanha civilista chegaram a São Paulo e encontraram adeptos nas Arcadas. O movimento paulista, capitaneado pelo professor Vergueiro Steidel, fundou a Liga Nacionalista, que entre outras coisas pregava a instrução pública gratuita, o alistamento militar e diversas outras ações. A Liga teve destaque em grandes momentos da história paulistana, como quando da Gripe Espanhola e da Revolução de 1924, o que acabou lhe valendo a dissolução oficial pelo presidente Arthur Bernardes. Quando Bilac faleceu, em 1918, aos 53 anos, os membros da Liga Nacionalista, cuja direção e maioria dos membros eram estudantes e professores da Academia de Direito, e em menor número da Politécnica e da Faculdade de Medicina, resolveram fazer uma homenagem ao poeta. Após o levantamento dos fundos necessários, contrataram o escultor sueco William Zading, professor do Liceu de Artes e Ofícios, para esculpir um conjunto monumental em honra a Bilac. O monumento foi inaugurado em 1922, durante as comemorações do Centenário da Independência, pelo então governador Washington Luís.

A obra foi instalada na praça Minas Gerais, no final da Av. Paulista. Contava com cinco peças de bronze. O busto de Bilac aparecia no centro da composição; nas laterais, encontravam-se A Tarde, O Caçador de Esmeraldas, O Beijo Eterno e Pátria e Família, representando os escritos do poeta.

Monumento a Bilac no final da Av. Paulista, década de 20

Em 1936, por conta de controvérsias com os modernistas e alegando ser necessária a remodelação do local para adequar-se ao volume do tráfego, o monumento foi desmontado, e as estátuas foram todas para o depósito municipal. Quando Jânio Quadros assumiu a prefeitura, em 1953, durante uma visita ao viveiro municipal Manequinho Lopes (hoje integrado ao Parque Ibirapuera), deu de cara com a estátua O Beijo Eterno e mandou que o chefe de Parques e Jardins, Artur Etzel, instalasse-a no Largo do Cambuci. Segundo relata Barros Ferreira, o motivo seria que o prefeito, antigo morador daquele bairro, sabia o quanto o local era esquecido pela administração pública.

Logo as reclamações começaram. Um pai, ao buscar a filha na escola, viu a

Idílio, ou O Beijo Eterno, hoje diante da faculdade

estátua do casal se beijando e achou imoral. Protestos começaram a ser enviados para redações de jornais e para a própria prefeitura. Por fim, o prefeito capitulou e ordenou a remoção do bronze para o depósito novamente. O prefeito Faria Lima foi mais um que tirou O Beijo Eterno do depósito para dar uma volta, quando ordenou que a obra fosse colocada na entrada do túnel da Av. Nove de Julho. Não demorou muito e o vereador Antonio Sampaio passou pelo local, lembrou-se do caso ocorrido no Cambuci e soltou o verbo na Câmara. Fartos das idas e vindas da estátua, paga pelos ex-alunos da Faculdade de Direito, os estudantes mobilizaram-se. Na calada da noite, retiraram o francês e a índia e levaram-nos para o seu agarramento eterno bem guardado de eventual retórica moralista diante da faculdade.

As demais peças esculpidas por Zading para o monumento encontram-se espalhadas pela cidade. O Caçador de Esmeraldas, que representa Fernão Dias Paes e seu genro, Borba Gato, encontra-se na Av. Pedroso de Moraes, no jardim da Escola Estadual Fernão Dias, no local em que, segundo o Prof. Alfredo Gomes, existiu a sede do Sítio do Capão, pertencente ao bandeirante.

De volta à prefeitura de São Paulo em 1985, Jânio Quadros parece ter ficado bastante ocupado desenterrando estátuas do depósito municipal. Inaugurou o busto de Bilac na praça da Av. Sargento Mario Kozel Filho, próximo do Círculo Militar, no Ibirapuera; implantou O Pensador, ou A Tarde, no Parque da Independência, no Ipiranga; e levou Pátria e Família para a Av. Salim Farah Maluf, remanejada em 1999 para a Praça Presidente Kennedy, na Mooca.

Francisco Pati, orador da Faculdade quando da inauguração do monumento, em 1922, recorda o que lhe foi dito pela irmã do poeta, presente à homenagem:

Os senhores, paulistas, são os primeiros a lembrar-se de dar à imagem do meu irmão a perpetuidade do bronze. Com esse gesto, os senhores respondem às acusações de regionalismo intolerante. Bilac não nasceu em São Paulo, nasceu no Rio, mas é São Paulo que o consagra. Estou certa de que ele está contente lá onde se encontra. São Paulo era a sua fábrica de entusiasmo.”

Será que ela soube que desmembraram a homenagem e exilaram a estatuaria que ainda hoje se encontra vagando por Sampa sem destino fixo? Bem, fica aí a dica se o pessoal da São Francisco quiser recolher o que lhes pertence de volta!

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Estadão repagina-se e apaga história paulistana

Este ano, o jornal “O Estado de São Paulo” mudou de visual, e de símbolo. Ao estilizar seu logotipo, apagou a paisagem bucólica de uma São Paulo provinciana.

O ex-libris tomado como logo prestava uma homenagem ao primeiro jornaleiro paulistano, o francês Bernard Gregoire, que em 1876 passou a andar vagarosamente com o seu cavalo pelas estreitas ruas de São Paulo de Piratininga, tocando sua corneta e anunciando a venda da edição do dia de “A Província de São Paulo”, por 40 réis. O jornal “A Província” viria, anos mais tarde a se transformar em “O Estado de São Paulo”.

Além de Gregoire, o ex-libris retrata uma paisagem que já não existe mais. A construção às costas do jornaleiro é o prédio da antiga Sé de São Paulo, demolido no começo do século passado, e a outra edificação é a antiga Igreja de São Pedro, igualmente desaparecida. Para o paulistano localizar-se, nos dias de hoje o prédio da Caixa Econômica, na Praça da Sé, ocupa o lugar da igreja de São Pedro, enquanto que a igreja da Sé tem seu lugar assinalado pela estátua de Anchieta em um canto da atual praça da Catedral paulistana, próximo à Rua Direita.

Nos anos 30 do século XX, o artista José Wasth Rodrigues (1891-1957) confeccionaria para o jornal esse ex-libris. Wasth Rodrigues foi um importante pintor e desenhista paulistano do início do século. Seus trabalhos são os mais variados: é autor do desenho do brasão da cidade de São Paulo, em coautoria com Guilherme de Almeida; realizou as pinturas dos azulejos dos monumentos do antigo Caminho do Mar e da reurbanização do Largo da Memória; fez pesquisas históricas e arquitetônicas que deram origem a livros como o “Documentário Arquitetônico”, ainda hoje editado, e o raríssimo “Uniformes do Exército Brasileiro”, em coautoria com Gustavo Barroso. Dedicou-se à pintura de óleos e aquarelas, sempre com motivos brasileiros, por conta de seu nacionalismo convicto.

E assim, com este post, inauguro este espaço, que mais que um muro de lamentação pelo descaso com a história paulistana, tem a pretensão de ser um canto de histórias e “causos” sobre a cidade. Aqui pretendo falar de seu passado, de seus fantasmas, da beleza de uma cidade que, como algumas mulheres, não se entrega fácil a um primeiro e descuidado olhar.