Arquivo

Archive for the ‘Patrimônio Histórico’ Category

São Paulo higienizado, ou como 3 milhões cabem em um espaço para 100 mil.

Sempre amei São Paulo e passei a amar mais ainda depois das aulas de urbanismo que tive com o professor Jairo Ludmer na Faculdade de Belas Artes, onde me formei já vão décadas.

Jairo nos levava para o centro da cidade, à noite. As aulas eram in loco, seu ensino peripatético cravou na minha alma ainda mais o amor à história da cidade. Aprendi com ele como o tecido urbano ainda guarda elementos representativos de nossa história material e imaterial por meio de suas construções e, até mesmo, por meio da fala de seus espaços vazios que igualmente revelam tanto como os ocupados.

A Virada Cultural, com um público estimado em 3 milhões de pessoas, fazia dessa cidade, em horas antes mortas, o cenário a ser vivenciado e apreciado entre o deslocamento de um palco a outro, de um show a outro. O centro pulsava, revivia como na época dos grandes cinemas e espetáculos e de outros tempos em que tudo lá ocorria, antes que a nossa generosa geografia permitisse que São Paulo se espraiasse deixando para trás, como áreas necrosadas, espaços que não mais interessavam para a elite.

A atual gestão Haddad perdeu uma excelente oportunidade em juntar a Virada do Patrimônio a Virada Cultural. Mostrar e explicar melhor para a população que ali estava o que era tudo aquilo que viam, ou não. Perderam a chance de terem aberto o Terraço do Martinelli para se ver a cidade a meia-noite, terem o hall do velho Banco de São Paulo, melhor exemplo em arquitetura e decoração art-déco da cidade, ocupado com algum espetáculo. Isso para falarmos em apenas dois, das centenas de espaços possíveis e, quase, anônimos, que poucos viram e sabem do que estou falando.

Agora, o novo prefeito, que sonha com um parque no Jockey Club, em uma das áreas que mais tem opções de lazer de São Paulo, – ao contrário do Capão Redondo, onde as traves dos gols, quando existem, viram locais enlameados quando chovem -, anunciou que irá levar a Virada Cultural, de 3 milhões de pessoas, para Interlagos. Como fazer 3 milhões de pessoas caberem em um espaço que dificilmente cabem 100 mil não deve tirar o sono do atual alcaide eleito. Algum gráfico deve ter contentado o atual gestor, altamente capacitado para gerar uma das maiores metrópoles do mundo, após o seu merecido descanso em Miami, necessário após vencer a disputa eleitoral.

A cidade é vida, é pulsante, assim como a história, tecnocratas já tentaram domá-la, e falharam miseravelmente. Prestes Maia que o diga. Seu arrojadíssimo Plano Avenidas tornou-se defasado após alguns anos de implementado.  O alcaide eleito, ainda não empossado, além de domá-la quer higienizá-la, a começar pelo próprio centro a quem nega a vida levada pela Virada. Quer limpá-lo, quer trocar lâmpadas, limpar jardins, arrumar o que está quebrado e pintar tudo. Falta saber quando virá a cúpula de cristal Swarovski para cobrir e, assim, preservar, sem vida, o centro de São Paulo puro, lido e belo, como uma pintura de Romero Britto.

Paulo Rezzutti

A Igreja de São Gonçalo

P10809441936A Igreja de São Gonçalo em 2011 e 1936

Por Edison Loureiro

Quem chega à Praça João Mendes, vindo da Praça da Sé tendo à esquerda a Catedral, por onde era antigamente a Rua do Imperador, enxerga logo em frente uma Igreja amarela na direita de uma fileira de sobrados.

Tanto a igreja, como os sobrados parecem um tanto deslocados junto a edifícios de aparência tão séria.

Mas esta pequena igreja foi o marco inicial desta parte da cidade. Por muito tempo esta foi uma região isolada da pequena cidade de São Paulo, que ocupava vagarosamente os arredores do Pátio do Colégio. Esta região só começou a ser urbanizada a partir de 1757, quando uma pequena capela de pardos foi construída onde está a pequena igreja amarela.

Trata-se da igreja de São Gonçalo. São Gonçalo Garcia para esclarecer, já que existem dois santos de nome Gonçalo, este de quem estamos tratando e São Gonçalo do Amarante, este tão casamenteiro quanto Santo Antônio.

São Gonçalo Garcia era pardo e nasceu na Índia, filho de pai português e mãe indiana. Foi franciscano e morreu crucificado em Nagasaki, Japão em 1579, juntamente com mais 22 missionários. Foi beatificado por Urbano VIII em 1627 e canonizado por Pio IX em 1852.

Em 1724 foi formada na igreja de Santo Antônio a comunidade de Nossa Senhora da Conceição e São Gonçalo Garcia, que recebeu em 1756 a provisão do frei Antônio da Madre de Deus Galvão para a construção da capela a que nos referimos.

Foi dedicada à Nossa Senhora da Conceição pois Gonçalo Garcia ainda não havia sido canonizado. Com o tempo foi se deteriorando e por volta de 1840 foi construída esta igreja. Seu construtor foi Nicolau Alves da Fonseca, conhecido como Carranca. Existem registros mostrando uma disputa judicial com a Câmara, pois Carranca avançou em terreno os limites concedidos à irmandade. Esta disputa deve ter durado um bom tempo, pois o caso deixa de ser citado somente a partir de 1863.

A igreja passou por algumas reformas durante a segunda metade do século XIX e o frontispício que vemos hoje foi feito em 1881.

Em 1893, João Mendes de Almeida, que dá seu nome à praça, e morava ao lado, onde hoje é a Padaria Santa Tereza, reuniu recursos para uma última reforma na igreja, que neste mesmo ano passou a ser uma das poucas igrejas sob a guarda dos jesuítas.

Quando desabou o telhado da antiga Igreja do Pátio do Colégio, a Igreja de São Gonçalo recebeu o relógio e várias outras peças, inclusive a pedra que fica acima da porta de entrada. Tem uma certa lógica, pois o antigo Colégio foi fundado pelos jesuítas.

Em 15 de abril de 1966, D. Agnelo Rossi, cardeal-arcebispo de São Paulo, criou a Paróquia Pessoal de São Gonçalo especialmente para os japoneses e a confiou aos jesuítas. A igreja passou então a ser a Matriz da Paróquia. Todos os domingos às 8:00 h as missas são rezadas em japonês para a comunidade nipônica. O nome oficial hoje é Matriz Paroquial Pessoal Nipo-Brasileira São Gonçalo.

Sua companheira, a Igreja dos Remédios que ficava à esquerda, fechando a praça à altura da Avenida Liberdade já foi demolida no final da década de 1940, Mas S. Gonçalo continua firme no seu lugar oferecendo o pão que alimenta o espírito dos católicos. Como estes não são de ferro, podem aproveitar e dar uma passadinha ao lado, na Padaria Santa Tereza para um bom pão que alimenta o corpo e, de quebra, um cafezinho.

Uma lembrança da Biblioteca Infantil

Biblioteca Infantil Monteiro Lobato 1952

A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato em 1952

Por Edison Loureiro

A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato fica na Rua General Jardim, 485, Vila Buarque. Para quem não conhece o local, na foto aérea, a Rua General Jardim está na diagonal inferior e a Rua Major Sertório na diagonal superior. À esquerda fica a Rua Cesário Mota e à direita a Dr. Vila Nova. Foi a primeira biblioteca infantil da cidade.

A criação da Biblioteca Infantil Municipal é de 1936, parte do projeto cultural de um grupo de intelectuais, entre os quais Mário de Andrade, então diretor do Departamento Municipal de Cultura. A Biblioteca Infantil foi instalada em 14 de abril numa casa não muito distante do local da foto, na Rua Major Sertório. Nunca foi apenas uma simples biblioteca, mas um espaço cultural infanto-juvenil, com atividades variadas como, sala de jogos, hemeroteca, cinema, teatro e outras.

Biblioteca Infantil

O primeiro casarão onde se instalou a Biblioteca Infantil

Em 1945 a biblioteca muda-se para um local mais amplo, à Rua General Jardim, num palacete que era residência do senador Rodolfo Miranda. Esta casa não existe mais, ficava no local onde hoje é a praça da biblioteca. O senador Rodolfo Miranda era sócio do engenheiro Manuel Buarque de Macedo na empresa construtora Brasil, que comprou as terras de Rego Freitas e Rafael Tobias de Aguiar Pais de Barros, o segundo barão de Piracicaba, parte da antiga chácara de José Arouche de Rendon Toledo. Esta empresa fez o arruamento do atual bairro de Vila Buarque.

Em 1950 foi construído o prédio que vemos na foto e que foi inaugurado em 24 de dezembro daquele ano. A Biblioteca Infantil Municipal ganhou o nome de Monteiro Lobato em 1955. É a biblioteca infantil mais antiga do Brasil. Nas novas instalações além das outras atividades, ganhou sala de cerâmica e pintura, discoteca, mapoteca, hemeroteca, biblioteca circulante, auditório com teatro de fantoches e o museu Monteiro Lobato.

Já nesta data existia o jornal A Voz da Infância, totalmente feito com artigos redigidos pelas crianças. Uma das crianças de 1936 que estreou no “jornalzinho” foi Paulo Bomfim, hoje chamado de Príncipe dos Poetas de São Paulo. Também arriscava suas primeiras composições o inesquecível Paulo Vanzolini, autor de Ronda entre outras. O escritor Monteiro Lobato costumava frequentar a biblioteca para contar histórias e conversar com os frequentadores.

Desde a sua organização e fundação até 1961, quando se aposentou, D. Lenyra Fraccaroli, esteve à testa da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato. D. Lenyra foi responsável pela criação, em 1947 da sala de Braille na Biblioteca Infantil.

Biblioteca Infantil Monteiro Lobato 1952a

 A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato em 1952

Em 1952, graças à sua iniciativa construiu-se o Teatro Infantil Leopoldo Froes, ao lado da biblioteca, onde hoje está uma quadra esportiva no lado da praça que dá para a rua Dr. Vila Nova. Uma marquise unia o prédio da biblioteca à porta lateral do teatro. A marquise ainda está lá, mas o teatro desapareceu no começo da década de 1970. Uma pena, foi o primeiro teatro infantil do Brasil.

Teatro Leopoldo Froes 1952O Teatro Leopoldo Froes em 1952, com frente para a Rua General Jardim

Falar de D. Lenyra Fraccaroli assim como de sua sucessora D. Noemi do Val Penteado e de suas realizações no campo cultural vale um texto à parte. Tive a honra de conhecer as duas.

Em 1961, com 12 anos entrei pela primeira vez naquele prédio silencioso e apesar da caminhada de quase meia hora desde o Bexiga onde morava a visita tornou-se um hábito quase que diário até 1964. Participava das atividades do jornal A Voz da infância, que na época voltava à atividade. Além de colaborar com historinhas infantis algumas reportagens e fofocas dos colegas, eu “traduzia” todo o jornalzinho para o Braille, para a garotada do Instituto Padre Chico que comparecia semanalmente.

Naquela época convidamos Paulo Bomfim para ser o patrono do jornal e ele aceitou. A sala onde era a “redação” do jornalzinho passou a chamar-se Sala Paulo Bomfim. Porém há alguns anos, fazendo uma visita tive a tristeza de ver que não existe mais. Os tempos vão mudando.

A Casa de Câmara e Eusébio Stevaux

Casa de Câmara 1910A Assembleia Provincial ou Senado Estadual, antiga Casa de Câmara e Cadeia em 1910 na Praça João Mendes.

Por Edison Loureiro

O edifício que vemos na foto não existe mais. Foi demolido na década de 1940 no Plano de Avenidas do governo Prestes Maia. Ficava onde hoje está o acesso do viaduto D. Paulina para a Praça João Mendes. Ao lado esquerdo vemos a Igreja de S. Gonçalo que está lá até hoje, firme e forte.

Até meados dos anos 1700 esta região ficou um tanto “esquecida”. Era apenas um caminho das tropas que iam e vinham pelo caminho de Santos, atual Rua da Glória, atravessando o largo do Pelourinho em diagonal, depois também a praça e entrando pela antiga Rua do Imperador, depois do Marechal Deodoro, atual lado par da Praça da Sé. Outro caminho de tropas que passava pelo Largo era o antigo caminho de Santo Amaro que seguia pela atual Avenida Liberdade e Rua Dr. Rodrigo Silva.

Após a construção da capela de S. Gonçalo, cuja provisão foi dada em 1756, a região começa a se incorporar à cidade. Em 1783 resolve-se erguer a Casa de Câmara e Cadeia no Largo. Fato pouco comum às tradições das povoações luso-brasileiras, uma vez que não era uma região central e o pelourinho não havia sido colocado ali, defronte ao paço, como de hábito. Foi instalado no antigo Largo do Pelourinho, hoje largo Sete de Setembro.

A Casa de Câmara e Cadeia foi construída quase perpendicularmente à capela de São Gonçalo, com a frente voltada ao leste. Teve a fachada reformada em torno de 1791 pelo engenheiro militar João da Costa Ferreira e permaneceu sem modificações até 1877. A Cadeia ficava no térreo e a Câmara Municipal se reunia no andar superior. Pelas janelas os presos podiam conversar com quem passava pelas ruas.

Naquele  ano a Assembleia Provincial resolveu transferir sua sede para cá, repartindo o prédio com a Câmara dos Vereadores e o edifício é então reformado.

O responsável pela obra foi Eusébio Stevaux, engenheiro francês, nascido em 1826 e que chegou ao Brasil em 1851.

Sua vinda ao Brasil foi curiosa, literalmente acidental. Com 25 anos, havia sido contratado para serviços de engenharia na Califórnia, porém a galera Elisa, em que embarcou teria que contornar toda a América do Sul para alcançar o Pacífico, uma vez que o canal do Panamá ainda não existia. A galera aportou no Rio de Janeiro, um dos pontos previstos para abastecimento e reparos quando o casal Stevaux, Eusébio e sua mulher Léonie, desembarcou para entregar uma encomenda que um amigo enviava ao imperador D. Pedro II.

Enquanto o jovem casal está em terra, em 8 de fevereiro de 1851, uma explosão afunda a galera rapidamente, levando junto toda sua bagagem. Sem alternativa, Eusébio conseguiu trabalho na construção de um canal em Campos e posteriormente voltou ao Rio de Janeiro para trabalhar na construção da estrada D. Pedro II. E assim foi dando seguimento à sua carreira no Rio, em Minas Gerais e São Paulo. Em 1870 já havia assumido a cidadania brasileira.

Em São Paulo estabeleceu uma fazenda no Pantojo, perto de São Roque, onde dispunha de uma estação ferroviária. Nesta fazenda extraiu cal e mármore para construção civil, iniciando um rendoso negócio.

A partir de 1877, realizou várias obras como engenheiro provincial, cargo que ocupou até 1885, quando se exonerou e retirou-se para São Roque, onde fez parte do Conselho de Intendência, foi eleito vereador e projetou a rede de abastecimento da cidade de água sem custo. Morreu em sua casa no Largo dos Guaianases, atual Praça Princesa Isabel em São Paulo em 1904.

A reforma da Casa de Câmara e Cadeia foi feita e o povo gostou, conforme informa Eudes Campos, no artigo “Largo Municipal”, “Dentro do quadro de precariedade que aos poucos se dissipava em São Paulo, Stevaux procurou conferir um ar de civilidade cosmopolita ao edifício, ao introduzir nele uma aparência de hotel de ville ou mairie francesa. O resultado do ponto de vista estritamente estético não deixou de ser medíocre, mas os contemporâneos ainda inabituados com os padrões da arquitetura eclética internacional receberam o predinho com teto coberto com placas de ardósia como o suprassumo da Arquitetura”. As estátuas nos altos do edifício representavam a Lei, a Justiça, o Comércio e a Agricultura.

São Paulo ganhou assim o seu Paço Municipal. O largo à frente da Assembleia foi ajardinado em 1879 de acordo com projeto de Fernando de Albuquerque, equipado com um coreto e recebeu grades ao redor. Foi a primeira praça ajardinada na cidade.

A praça ficou simpática, como podemos ver pelas fotos, porém tinha um inconveniente, nos dias de função do Teatro São José não havia espaço suficiente para a quantidade de carros e tílburis que afluíam, formando grandes congestionamentos. João Mendes Júnior em sua obra A Monographia do Município da Cidade de S. Paulo, de 1882, afirma que o jardim municipal foi uma ideia infeliz. Portanto, caro amigo ou amiga, se você costuma irritar-se ao dirigir em São Paulo, fica sabendo que nossos avós e bisavós já sofriam com os congestionamentos de tílburis e carros puxados a cavalo.

A antiga Casa de Câmara e Cadeia, resistiu assim reformada até que na década de 1940, o mesmo conjunto de obras que deu origem à Praça Clóvis Bevilaqua, o Plano de Avenidas da Cidade de São Paulo, fez com que fossem demolidos em 1943 o edifício da Assembleia Legislativa e a Igreja dos Remédios junto com todo o quarteirão onde estava situada e mais todo o quarteirão irregular que ia da antiga travessa da Glória à rua Tabatinguera.

1862A antiga Casa de Câmara e Cadeia antes da reforma, em 1862.

Memória seletiva, patrimônio sucateado

Recentemente, conforme relatou o jornal o Estado de São Paulo de 1º de novembro, na matéria intitulada “Solar devolve bens de Domitila a USP”, eu acompanhava um grupo de estudantes em uma visitação pelo centro de São Paulo quando paramos no Solar da Marquesa de Santos.

Em cima do balcão de informações, um papel dizia que a sala a respeito da famosa personagem passava por manutenção. Na realidade, a placa e a informação nela contida não passavam de um “cala-boca”, como veio a descobrir o jornalista Edison Veiga. Todos os objetos de uma antiga exposição sobre a marquesa e sobre o imóvel retornaram à USP e a seus demais proprietários legais devido ao término dos seguros das peças. Mas, cansado de ter que responder se não havia nada da marquesa na casa para os desavisados que lá entravam, algum funcionário criativo inventou a tal plaquinha de desinformação.

A desculpa da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo para a inexistência de qualquer objeto, bem como de qualquer informação, a respeito dos antigos proprietários do Solar e da casa em si é de que o local “não é um museu dedicado à marquesa”. A frase é tão descabida perante o contexto que ilustra bem o descaso com que é tratada a memória da cidade e, por extensão, a memória nacional.

quadro-museu-historico-nacionalO ponto principal não está nos objetos em si, mas em a sede do complexo denominado de “Museu da Cidade de São Paulo” não ter qualquer informação de onde os visitantes podem saber algo a respeito de quem morou lá, TODOS, não apenas a marquesa. Não há em canto algum informação de que o local, antes da nobre moradora, tenha servido de residência dos capitães-generais da província de São Paulo. Nem uma vírgula a respeito de a casa ter sido Palácio Episcopal, muito menos de ter servido como sede da The San Paulo Gas Company. Quanto à importância do imóvel em si, isso então, nem pensar! Que importa que o solar seja o único remanescente urbano no centro da cidade feito de taipa de mão, de pilão, taipa francesa, além de adobe, que não acabou no chão em nome do “progresso”? Mas na Casa Modernista, também parte do complexo do museu, existem informações sobre seu proprietário, com um vídeo contando sobre a casa e com depoimentos… Mas lá não é um museu sobre Gregori Warchavchik! Dois pesos e duas medidas, por quê? Falar do Modernismo é chique e de outros períodos, principalmente do Império, é demodê?

A matéria do Estadão falando sobre os patrimônios geridos pela municipalidade chegou até a escandalosa questão do Monumento do Ipiranga. Ele é um retrato do abandono pelo qual nossa memória passa. Se não fosse pela Associação Comercial do Ipiranga, nem bandeira nacional haveria no mastro! O Departamento de Patrimônio Histórico parece se preocupar mais com o visual do que com o interno. Gastaram uma fortuna para um estrangeiro dizer que os bronzes do complexo estão em perigo, e, pasmem, ainda o francês comentou que as espadas das figuras poderiam ter sido arrancadas por raios… Esses estrangeiros são tão brincalhões! Ou será que na França ninguém depreda patrimônio histórico para trocar por comida ou por drogas?

O DPH parece muito com um vizinho que eu tinha, que na época do Natal e do Ano Novo, quando os parentes vinham se reunir em sua casa, dava uma passada de cal nas paredes externas pra manter as aparências. Realmente pretendem gastar uma fortuna, que não possuem, para restaurar a parte externa do monumento do Ipiranga? E a Cripta Imperial, do lado de dentro, que faz água e cuja fiação elétrica não passaria por nenhuma vistoria séria? Nem vou repetir novamente a história da Constituição de bronze roubada de cima do túmulo de d. Pedro I em plena luz do dia!

Recentemente, foi anunciada por esse mesmo Departamento de Patrimônio Histórico, desse governo que, como outros, mostra inépcia em gerir os bens municipais, a “Virada do Patrimônio”. Nesse evento, a prefeitura pretende mostrar os bens tombados, não só aqueles pelos quais deveria zelar e não o faz, mas também convida os munícipes que convivem com a fatalidade de ter um bem tombado a abrirem seus imóveis particulares para a população. Tudo lindo e maravilhoso, talvez na França, de onde importaram a ideia, junto com o tal francês que achou que as espadas do monumento tinham que ser aterradas para não funcionarem mais como para-raios…

Pela viagem que acabei de fazer, mapeando no Vale do Paraíba o patrimônio que ainda resta da época em que o príncipe d. Pedro por lá passou, a palavra “tombamento” causa arrepio em todos os donos de propriedades antigas que afirmam que elas são preservadas, mas não tombadas. Eles viram, assim como eu, a inépcia de um programa municipal, estadual e federal em realmente preservar o nosso patrimônio com a agilidade necessária. Absolutamente todos os bens tombados que anotei para ver nas cidades de Silveiras, Areias, São João da Barra e Bananal e que não eram utilizados com frequência hoje estão no chão. Em grande parte por culpa da morosidade das esferas públicas no que diz respeito à tramitação dos processos de manutenção dos imóveis antes que eles desabem na cabeça do pobre que continuar sob aquele teto.

Mas, voltando ao nosso município, a prefeitura de São Paulo quer fazer Virada do Patrimônio, mas não existe muito o que comemorar, nem o que ver. A prefeitura, há décadas, não consegue manter a própria casa limpa e com a memória conservada. O Solar da Marquesa de Santos é só um dos diversos problemas de memória seletiva que infestam os governos municipais. Os partidos e seus sequazes podem se dar ao luxo de labutarem no mundo das ideias qual a melhor maneira de expor suas filosofias por meio da gestão do patrimônio público, mas o público em si só quer que sua história não desapareça no meio dos jogos políticos que mudam a cada quatro anos.

Paulo Rezzutti

Confira a reportagem do Estadão no blog do jornalista Edison Veiga, o Paulistices e no portal de notícias UOL.