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Archive for the ‘Memorabilia’ Category

O Recolhimento de Santa Teresa

Por Edison Loureiro

1915Rua do Carmo cerca de 1915. Ao fundo o Recolhimento de Santa Teresa.

Em 1685, ergueu-se neste local o recolhimento de Santa Teresa, que viria a ocupar todo o quarteirão formado pelas ruas Roberto Simonsen, Venceslau Brás, Irmã Simpliciana e atual Rua Santa Teresa.

As Casas de Recolhimento eram casas religiosas similares aos conventos, com a diferença que as internas não faziam votos ou juramentos solenes, porém da mesma forma usavam os hábitos das ordens a que pertenciam. Tinham a função de asilo, educandário, abrigo e obrigavam aos ofícios religiosos. Nos recolhimentos internavam-se as moças com forte vocação religiosa, assim como também as prostitutas arrependidas. Por outro lado, serviam também para confinamento de mulheres sejam solteiras ou casadas acusadas de má fama, ou de serem infiéis onde ficavam totalmente isoladas enquanto seus maridos ou responsáveis viajavam, ou até como punição. Uma vez aceitas as reclusas somente sairiam com a autorização do familiar responsável, da autoridade civil, ou por interferência do bispo. Ainda estavam longe os tempos da liberação feminina e a proibição das discriminações. No caso específico do recolhimento de Santa Teresa, só se aceitavam internas que soubessem ler e escrever e mediante dote. À Corte portuguesa não interessava que fossem criados conventos no Brasil, pois incentivava o casamento de todas as mulheres para povoar o novo território.

O fundador do recolhimento foi Lourenço Castanho Taques, auxiliado por seu irmão o capitão-mor Pedro Taques de Almeida e Manoel Vieira de Barros que cedeu os terrenos de duas casas que possuía no local. Tudo com o apoio do primeiro bispo do Rio de Janeiro, D. José de Barros de Alarcão, então em visita às terras paulistanas.

Lourenço Castanho Taques, o moço e Pedro Taques de Almeida eram talvez as mais influentes e abastadas famílias de São Paulo daqueles tempos. Filhos do bandeirante Lourenço Castanho Taques, o velho, o moço Lourenço também foi sertanista, fez excursões, aprisionou índios e foi Juiz de Órfãos de São Paulo. Pedro Taques de Almeida ocupou vários cargos, foi provedor e contador da Fazenda Real da capitania de São Paulo, juiz da alfândega, capitão-mor entre 1684 e 1687, alcaide-mor, procurador da Coroa e administrador-geral das aldeias do real padroado. De Manoel Vieira de Barros pouco se sabe, além do fato de também ter sido uma pessoa abastada, de vários negócios e ter ocupado o cargo de mestre de capela da Matriz de São Paulo, ou seja, era o responsável pela organização do coro, das atividades musicais em geral, do ensino musical aos jovens e também de compor músicas.

O responsável pela construção da torre do recolhimento não foi outro senão Joaquim Pinto de Oliveira, o lendário Tebas, mulato escravo alforriado extremamente habilidoso que realizaria outras obras importantes em São Paulo.

Dom José de Barros de Alarcão autoriza o funcionamento do recolhimento em 1685 e em 1748 o primeiro bispo de São Paulo, dom Bernardo Rodrigues Nogueira, autoriza o recolhimento a ter seu próprio estatuto, no qual vemos que a disciplina era severa, como na maioria dos monastérios.

Pelo regulamento acordavam diariamente às 4:30, iam para o coro às 5:00 para as matinas, laudes e prima (os primeiros ofícios do dia), e após as antífonas (as respostas cantadas a cada salmo, versículo, etc.) recolhiam-se às celas para as orações mentais. às 8:00 voltavam ao coro para a tércia e a sexta (outros ofícios que também dão o ritmo do dia conventual) e ouvir a missa. Do coro iam à “casa de labor” para trabalhos comunitários até as 11:00. Aí iam para as suas celas por 15 minutos para meditação “sobre o que tinham feito do tempo em que despertou até o presente momento”. Seguiam para o refeitório até as 12:30 e daí para as celas até as 14:00, voltavam para o coro para rezar as vésperas e voltavam ao trabalho até as 17:30. De volta ao coro para rezar as completas e ouvir 15 minutos de “lição espiritual”, rezar o terço e ir ao refeitório para a última refeição e depois tempo livre de repouso até as 20:30 e uma vez tocado o sino recolhiam-se às suas celas para suas devoções até as 21:30 quando era hora de dormir. Esta era a rotina no recolhimento de Santa Teresa.

Por outro lado, o aparente rigor em que viviam era atenuado pela existência dos dotes e a presença de escravos e escravas para os serviços mais pesados e mucamas para as necessidades particulares.

As três filhas de Manoel Vieira de Barros foram as primeiras hóspedes do recolhimento, cujos primeiros anos foram bem difíceis. Em 1718 estava tão decadente que não tinha nenhuma recolhida. A Câmara chegou a solicitar ao Governo a sua extinção, porém graças aos esforços do bispo do Rio de Janeiro a extinção não ocorreu. Nos anos seguintes, porém através de donativos e legados, recuperou-se, ocupou todo o quarteirão, e em 1809 o recolhimento estava entre os mais ricos proprietários da cidade.

Foi aqui, no recolhimento de Santa Teresa, que entre 1769 e 1770, Frei Galvão, hoje canonizado, foi nomeado confessor e conheceu a irmã Helena Maria do Espírito Santo, que resolveu contar-lhe as visões que tinha sobre um novo convento que deveria ser fundado por seu confessor. Ela tinha 34 anos na época, ele 31. Frei Galvão aconselhou-se com pessoas mais experientes, apresentou o caso às autoridades eclesiásticas e resolveu levar adiante o trabalho, o que resultou no que hoje é o conhecido Mosteiro da Luz onde são distribuídas as famosas pílulas do frei Galvão.

Em 1913, a pedido do arcebispo de São Paulo dom Duarte Leopoldo e Silva, religiosas do Rio de Janeiro foram transferidas e passaram a viver no recolhimento de Santa Teresa com o objetivo de implantar as regras carmelitas de Santa Teresa. O recolhimento torna-se então, Mosteiro Professo da Ordem das Carmelitas Descalças de Santa Teresa.

Por 232 anos viveram as reclusas nos corredores, claustros e capela do antigo recolhimento. Em 1917 são transferidas para o palacete Rodovalho, na Penha, que tinha sido reformado e adaptado para tal. O vetusto prédio de taipa de pilão, com paredes de até um metro de espessura iria em breve desaparecer. Em 1918 são transferidos para a cripta da Sé os despojos dos bispos de São Paulo que estavam provisoriamente no Recolhimento.

O prefeito Washington Luís tinha feito um acordo com o Arcebispo Metropolitano D. Duarte Leopoldo e Silva, primeiro arcebispo de São Paulo que atuava em nome do Recolhimento, para a desapropriação de uma área de 694m2 visando o alargamento da Rua Santa Teresa, pelo preço de 145:000$000 (cento e quarenta e cinco contos de réis), que foi aprovado pela Câmara Municipal em maio de 1919.

Torre Recolhimento
A Rua de Santa Teresa com a torre do Recolhimento à direita e a lateral demolida para o alargamento da rua.

interior do recolhimento
Interior da Capela do Recolhimento de Santa Teresa pouco antes de sua demolição.

Em novembro daquele mesmo ano, o Recolhimento adquiriu por 265 contos de réis uma área de 18.000 m2 nas Perdizes chamada Chácara Lúcia e no ano seguinte inicia-se a construção de novo mosteiro com projeto do arquiteto Alexandre Albuquerque. O novo mosteiro e sua capela anexa foram inaugurados em julho de 1923.

Aí permaneceram as monjas até 1948, quando a propriedade foi cedida para a Pontifícia Universidade Católica (PUC) que havia sido criada dois anos antes.

O Mosteiro de Santa Teresa é então transferido para a Avenida Jabaquara, onde está até hoje.

Referências
Antonio Egydio Martins, São Paulo Antigo
Alfredo Moreira Pinto, A cidade de São Paulo em 1900
Ernani Silva Bruno, História e Tradições da Cidade de São Paulo
Jornal Correio Paulistano, edições de: 06-02-1919, 18-06-1938, 21-06-1917, 28-05-1919, 30-11-1920.
Jornal O Estado de S. Paulo, edições de: 06-08-1918, 07-07-1919, 12-01-1922, 29-10-1917
Jornal O Combate de 18-06-1918.

A Pauliceia de 77

1872pb

O Mercado antigo na Rua 25 de Março em 1872.

 

Edison Loureiro

Este texto não é de minha autoria. Encontrei-o no jornal O Estado de S. Paulo de 31 de março de 1937 e seu autor não se identificou, assinou apenas com a inicial “A”. Mas eu achei tão interessante e curioso que resolvi transcrevê-lo na íntegra, somente atualizando a ortografia. Espero que gostem.

Seria difícil reconstituir com pormenores a capital de São Paulo no ano de 1877. No entanto, se algum leitor de oitenta anos, ou mais, quiser acompanhar-nos num passeio através da nossa cidade tal como ele era há sessenta anos, poderemos ativar-lhe a memória. O triângulo era constituído pelas ruas São Bento, Direita e Imperatriz, não oferecendo, portanto, grande alteração. Mas na Rua Direita ainda se via a Igreja da Misericórdia e, da Rua da Imperatriz, entre os sobradinhos de uma travessa, ainda se viam, em ângulo, a igreja do Colégio e o Palácio do Governo.

Quem chegava ao Largo do Tesouro e olhava para baixo, via a meio da Rua Municipal, a estação dos “bondinhos de burro” e, lá embaixo, a chácara do Gasômetro, tendo ao lado o antigo “Depósito de Imigrantes”. Nesse tempo o Mercado Velho era ainda Mercado Novo, ou melhor, Praça do Mercado. Na parte alta do sobradinho da Rua da Imperatriz n. 10 havia um escritório de advocacia que ficou célebre. Não tinha placa, mas São Paulo inteiro o conhecia: era de Luiz Gama.

Naquele tempo, como durante muitos anos, quer para trás, quer para frente, o delegado de polícia era o Conselheiro Francisco Maria de Souza Furtado de Mendonça, que morou no Largo da Glória, em casa que ao tempo tinha o número 40. A Câmara Municipal funcionava no edifício do Palácio, pavimento inferior, junto à Secretaria Militar e realizava suas sessões às sextas-feiras, das 10 às 14 horas. Era seu presidente o Dr. Antonio da Silva Prado que morava à Rua Senador Feijó.

Os viajantes tinham os seguintes hotéis: o Imperial, na Rua do Ouvidor, de propriedade de Agostinho Pucciarelli; o Grand Hotel de France, na Rua Direita, esquina do Beco da Lapa [sic], cuja proprietária era Amélia Fretin; no mesmo beco havia ainda o hotel de Ângelo Fenili e o Hotel Europa à Rua da imperatriz, n. 51 e 56, de Carlos Schorcht. O Albion já existia, era de propriedade do negociante James Porter; havia também um Hotel de Paris de mme. Rosalie Boudrot, à Rua São Bento, n. 31.

O Correio Paulistano, de Joaquim Roberto de Azevedo Marques, tinha a sua redação á Rua da Imperatriz n. 27; o Diário de São Paulo, de Paulo Delphino da Fonseca, à Rua do Carmo, 65; A Província de S. Paulo, de Francisco Rangel Pestana, Américo de Campos e José Maria Lisboa, `Rua da Imperatriz, 44; a Sentinela, de João Mendes de Almeida, no Largo de São Gonçalo; a Tribuna Liberal, de Herculano Marques Inglez de Souza e Joaquim Taques Alvim, à Rua da Princesa, n. 20; a Revista do Instituto Politécnico, de que era redator-chefe Elias Fausto Pacheco Jordão. Ainda contava São Paulo com outras publicações literárias e acadêmicas e o Indicador de Abílio S. Marques.

Os elegantes eram vestidos pelos alfaiates de fama: Bougarde, Hell, Lang & Worms, Guilherme Krioner e J. Pourraly. Alugavam-se mobílias na casa de José Rubim Cesar, na Rua da Cadeia, n. 45, notadamente cadeiras austríacas para reuniões políticas, récitas particulares e bailes improvisados. Havia também “armadores de anjos de gala para procissões”, representados por D. Maria Benta à Rua da Boa Vista e D. Maria do Carmo Silva à Rua da Boa Morte. O bauleiro da capital era Antonio Peixoto de Carvalho no Largo do Palácio. O paulistano, fora de casa, tomava banhos no estabelecimento da Ilha dos Amores e na Sereia Paulista de José Fischer, à Rua São Bento, n. 1. Cortava os cabelos e perfumava-se na casa de Aimeé Quillet, à Travessa da Quitanda, ou na de Eugênio Husson na Rua São Bento n. 48-A. A primeira aliava à navalha os frascos de extrato e o segundo um belo mostruário de joias. Mas além dessas, contavam-se numerosos barbeiros comuns por todos os cantos da cidade.

Para se dar um passeio à Rua da Mooca, que era a Avenida Paulista da época, alugava-se um cavalo no Adão, à Rua do Comércio, no Miguel Justo à travessa de Santa Tereza, ou então, no Nicolau Gomes Pereira, à Rua da Esperança. À noite ia-se ao teatro. Mas para isso alugava-se um tílburi no ponto principal que era o Largo do Colégio, das 9 às 21 horas. Quando não funcionava o Teatro São José, no Largo de São Gonçalo, ia-se ao Provisório, do desembargador Bernardo Gavião.

Mas o ponto da rapaziada era mesmo a Escola de Patinação, na Rua da Beneficência, canto da Rua Alegre. Era um divertimento caro naquele tempo, pois a entrada custava 1$000.Quem não tinha vitória ou caleça, voltava de bonde para casa, alta noite. Sim, porque debaixo dos anúncios de teatros lia-se sempre esta frase tranquilizadora: “depois do espetáculo haverá bondes para todas as linhas”.

Um passeio na praia em 1860

Por Edison Loureiro

Quem nunca fez um “bate-volta” de São Paulo a Santos? É só embarcar a família no carro ou no ônibus e, no máximo uma hora e meia depois, deixamos o planalto e estamos à beira da praia. Dá tempo para um bom almoço, uns passeios e voltar ao cair da noite. Bem… isso se não for um daqueles feriadões que lotam as estradas.

Como seria uma viagem dessas em 1860?

Bem, o tal “bate-volta” seria impraticável, pois carros e ônibus não existiam e a ferrovia São Paulo Railway, mais conhecida por Inglesa, que ligava Jundiaí a Santos, passando por São Paulo, só começou a operar após 1865, como já contei em outro artigo. Mas mesmo assim as famílias, pelo menos aquelas com mais recursos, também passavam férias na praia, já naqueles tempos. Vamos imaginar como seria uma viagem dessas com a família?

Não. Não precisamos imaginar nada. Existe um relato bem detalhado feito por Maria Paes de Barros em seu livro “No Tempo de Dantes” que vai nos ajudar, além de relatos de outros memorialistas e viajantes antigos.

Maria Paes de Barros nasceu em 1851 e em 1944, com 93 anos e uma perfeita lucidez, escreveu o livro citado que mereceu um prefácio de Monteiro Lobato e uma introdução de Caio Prado Júnior. Era filha do Comendador Luiz Antonio de Souza Barros e sobrinha de Francisco Antonio de Souza Queiroz, o Barão de Souza Queiroz. Casou-se com seu primo Antonio Paes de Barros. Faleceu em 1952.

O Comendador Souza Barros foi um próspero proprietário de fazendas de café e cana de açúcar em Campinas e Piracicaba.

Moravam num casarão da Rua de São João, construído no fim do século XVIII que pertenceu inicialmente a Francisco Ignácio de Souza Queiroz, tio da memorialista. Francisco Ignácio foi o protagonista da célebre “bernarda” que acabou trazendo D. Pedro I a São Paulo na época em que acabou proclamando a Independência. O casarão acabou se transformando na Pensão Milano, cuja história também já contei.

A viagem era feita a cavalo e mulas, e a família levava um grande número de escravos, mucamas e pajens, além dos tocadores de dois banguês para o transporte das crianças. Levavam o necessário para montar uma casa, pois eram minguados os recursos do vilarejo de São Vicente, onde alugavam uma casa para a temporada.

Com tudo pronto e empacotado a caravana saía da Rua São João, seguia talvez pela Rua São Bento até a Rua Direita depois para o Largo da Sé e daí pela Rua de São Gonçalo (ficava no lado direito de quem está de frente para a Catedral) até o largo de São Gonçalo (atual Praça João Mendes), passava pela passagem estreita que dava ao Largo Sete de Setembro e descia a Rua da Glória. Passando o casarão onde foi há muitos anos a Chácara dos Ingleses, atual Praça Almeida Júnior, já começava a Estrada do Mar, que passava pelos arrabaldes do Ipiranga, levava a São Bernardo e descia a Serra do Mar. Pelo caminho iam avistando, aqui e ali, pequenas casas de comércio que atendiam as tropas que por ali eram frequentes antes da ferrovia. Com a chegada da ferrovia a maior parte destes pequenos comércios fechou.

Banguê

A viagem era feita em duas etapas. Na primeira paravam no alto da serra, onde existiam duas pousadas, o do Rio Grande e do Zanzalá. Mas não vá imaginar grande coisa. Apenas umas alcovas com telhados de telhas vãs e algumas camas para os mais afortunados.

Na manhã seguinte começava a descida da serra, pela antiga Estrada da Maioridade cujo projeto começou com o marechal do Corpo de Engenheiros Daniel Müller, o mesmo que construiu o obelisco do Piques, e terminou já na administração de Rafael Tobias de Aguiar, sob a orientação de João Bloem em 1846. A Estrada da Maioridade substituiu a antiga Calçada do Lorena de 1792, que foi usada por D. Pedro I no episódio da Independência.

Era a parte mais bonita e divertida da viagem, mas também a mais perigosa. Afinal a estrada tinha 20 palmos de largura, cerca de 4 metros e meio e cheia de abismos. Era comum encontrar tropeiros pelo caminho, pois em 1860 o trânsito de mercadorias já era intenso. Aí o jeito era encostar os animais de montaria bem perto da montanha para dar espaço às mulas que subiam a serra carregadas, seguindo a “madrinha” que vinha na frente toda enfeitada, cheia de guizos e os tropeiros gritando e reunindo os animais com um longo chicote. Não era à toa que o Comendador Souza Barros chamava aqueles profundos vales, cobertos de mata atlântica de “cemitério de burros”, pois tantos já haviam despencado nas profundezas.

Hercule FlorenceDesenho de Hercule Florence mostrando a antiga Calçada do Lorena

Em algumas de suas 12 voltas podia-se admirar o panorama do mar ao longe banhando a costa, espetáculo poucas vezes visto pela maioria dos antigos paulistanos. A caravana então fazia umas paradas para descanso e beber a água de uma das várias bicas que existem na serra.

Completados os sete quilômetros de descida, chegavam à planície do Cubatão, onde havia um pouso de tropeiros. Aí todos apeavam para um descanso e jantar.

Aqui vamos abrir parêntesis.

Nesta época os horários das refeições eram bem diferentes dos atuais. O almoço era entre nove e dez horas e o jantar entre duas e três horas da tarde. Às oito, a ceia, que normalmente consistia de chá com alguns biscoitos caseiros ou bolos.

Fecham-se os parêntesis.

maria albertina pinheiro da silva mesquitaQuadro de D. Maria Albertina Pinheiro da Silva Mesquita mostrando o rancho em Cubatão

Após o jantar, quando invariavelmente pedia-se peixe ou camarão, pois pescados do mar eram raríssimos em São Paulo, seguia a caravana. Passavam pela ponte coberta que atravessava o Ria Cubatão onde havia uma barreira para a cobrança das taxas de passagens. Daí prosseguiam pelo Aterrado. À tardinha chegavam à única rua existente em São Vicente, onde já tinham uma casa previamente alugada.

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Tela de Benedito Calixto retratando Cubatão em 1826. À direita a ponte coberta.

Na manhã seguinte levantavam-se cedo para ir à praia, antes do sol nascer, pois acreditava-se que a exposição ao sol era prejudicial à saúde. Os pretos já tinham cortado alguns galhos bem enfolhados da mata e preparado a cabana para abrigo da família. Aí saíam todos vestidos com camisolões de baeta azul e tamancos de madeira, roupas de banho ainda levariam uns bons anos para entrar na moda.

Após o banho de mar e uma refeição, vinham os passeios pela praia. Se a maré estivesse baixa dava para ir até a ilha Porchat. À tarde passeios até a biquinha, que está lá até hoje, para beber água fresca.

biquinha final sec 19 paredão de 1850A Biquinha de São Vicente em foto do final do século XIX. O paredão indicava a data de 1850.

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Foto do autor em 2009

Entre passeios e banhos de mar os dois meses de veraneio passavam rápido e chegava a hora de fazer o mesmo caminho de volta.

Pois é, passar uns dias na praia era uma aventura…

Uma lembrança da Biblioteca Infantil

Biblioteca Infantil Monteiro Lobato 1952

A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato em 1952

Por Edison Loureiro

A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato fica na Rua General Jardim, 485, Vila Buarque. Para quem não conhece o local, na foto aérea, a Rua General Jardim está na diagonal inferior e a Rua Major Sertório na diagonal superior. À esquerda fica a Rua Cesário Mota e à direita a Dr. Vila Nova. Foi a primeira biblioteca infantil da cidade.

A criação da Biblioteca Infantil Municipal é de 1936, parte do projeto cultural de um grupo de intelectuais, entre os quais Mário de Andrade, então diretor do Departamento Municipal de Cultura. A Biblioteca Infantil foi instalada em 14 de abril numa casa não muito distante do local da foto, na Rua Major Sertório. Nunca foi apenas uma simples biblioteca, mas um espaço cultural infanto-juvenil, com atividades variadas como, sala de jogos, hemeroteca, cinema, teatro e outras.

Biblioteca Infantil

O primeiro casarão onde se instalou a Biblioteca Infantil

Em 1945 a biblioteca muda-se para um local mais amplo, à Rua General Jardim, num palacete que era residência do senador Rodolfo Miranda. Esta casa não existe mais, ficava no local onde hoje é a praça da biblioteca. O senador Rodolfo Miranda era sócio do engenheiro Manuel Buarque de Macedo na empresa construtora Brasil, que comprou as terras de Rego Freitas e Rafael Tobias de Aguiar Pais de Barros, o segundo barão de Piracicaba, parte da antiga chácara de José Arouche de Rendon Toledo. Esta empresa fez o arruamento do atual bairro de Vila Buarque.

Em 1950 foi construído o prédio que vemos na foto e que foi inaugurado em 24 de dezembro daquele ano. A Biblioteca Infantil Municipal ganhou o nome de Monteiro Lobato em 1955. É a biblioteca infantil mais antiga do Brasil. Nas novas instalações além das outras atividades, ganhou sala de cerâmica e pintura, discoteca, mapoteca, hemeroteca, biblioteca circulante, auditório com teatro de fantoches e o museu Monteiro Lobato.

Já nesta data existia o jornal A Voz da Infância, totalmente feito com artigos redigidos pelas crianças. Uma das crianças de 1936 que estreou no “jornalzinho” foi Paulo Bomfim, hoje chamado de Príncipe dos Poetas de São Paulo. Também arriscava suas primeiras composições o inesquecível Paulo Vanzolini, autor de Ronda entre outras. O escritor Monteiro Lobato costumava frequentar a biblioteca para contar histórias e conversar com os frequentadores.

Desde a sua organização e fundação até 1961, quando se aposentou, D. Lenyra Fraccaroli, esteve à testa da Biblioteca Infantil Monteiro Lobato. D. Lenyra foi responsável pela criação, em 1947 da sala de Braille na Biblioteca Infantil.

Biblioteca Infantil Monteiro Lobato 1952a

 A Biblioteca Infantil Monteiro Lobato em 1952

Em 1952, graças à sua iniciativa construiu-se o Teatro Infantil Leopoldo Froes, ao lado da biblioteca, onde hoje está uma quadra esportiva no lado da praça que dá para a rua Dr. Vila Nova. Uma marquise unia o prédio da biblioteca à porta lateral do teatro. A marquise ainda está lá, mas o teatro desapareceu no começo da década de 1970. Uma pena, foi o primeiro teatro infantil do Brasil.

Teatro Leopoldo Froes 1952O Teatro Leopoldo Froes em 1952, com frente para a Rua General Jardim

Falar de D. Lenyra Fraccaroli assim como de sua sucessora D. Noemi do Val Penteado e de suas realizações no campo cultural vale um texto à parte. Tive a honra de conhecer as duas.

Em 1961, com 12 anos entrei pela primeira vez naquele prédio silencioso e apesar da caminhada de quase meia hora desde o Bexiga onde morava a visita tornou-se um hábito quase que diário até 1964. Participava das atividades do jornal A Voz da infância, que na época voltava à atividade. Além de colaborar com historinhas infantis algumas reportagens e fofocas dos colegas, eu “traduzia” todo o jornalzinho para o Braille, para a garotada do Instituto Padre Chico que comparecia semanalmente.

Naquela época convidamos Paulo Bomfim para ser o patrono do jornal e ele aceitou. A sala onde era a “redação” do jornalzinho passou a chamar-se Sala Paulo Bomfim. Porém há alguns anos, fazendo uma visita tive a tristeza de ver que não existe mais. Os tempos vão mudando.

Túnel da Mantiqueira

Quem gosta de história de São Paulo, sobretudo ferroviária ou a respeito da Revolução de 1932, já deve ter topado com o famoso Túnel da Mantiqueira.

Construído pela The Minas and Rio Railway em 1882, o túnel possui quase 1 km de extensão e liga as cidades de Cruzeiro e Passa Quatro.

Foi cenário importante durante a Revolução de 1932 pois tornou-se palco da principal batalha travada entre as tropas paulistas e as tropas leais a ditador Getúlio Vargas. Nesse local, fora e dentro do túnel, cerca de 250 paulistas perderam a vida ao defender o terreno do avanço das tropas federais.  Durante dois meses, de 10 de julho de 1930 até 12 de setembro os paulistas conseguiram manter o túnel, porém, com o avanço mineiro em outras linhas de batalha, os francos dos que guardavam o túnel acabaram desprotegidos e os paulistas acabaram por abandonar a posição.

Na foto abaixo, D. Pedro I, a Imperatriz Tereza Cristina, a Princesa Isabel, seu marido o Conde D´Eu, posam junto com operários, empresários e ministros na boca do Túnel da Mantiqueira em fins de 1882.

Grupo tirado na entrada do túnel da Mantiqueira, lado paulista, quando ainda estava em construção. No primeiro plano, da esquerda para direita: d. Pedro II, d. Augusto Leopoldo, d. Teresa Cristina, conde d' Eu, princesa Isabel, d. Pedro Augusto e Luís Pedreira do Couto Ferraz, visconde do Bom Retiro. Atrás da imperatriz, no último plano, ministro da Guerra Afonso Augusto Moreira Pena, usando bigodes e chapéu. Vê-se ainda Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, senador; Jesuíno Lamego Costa, barão de Laguna; Manuel Alves de Araújo, ministro da Agricultura; Afonso Celso de Assis Figueiredo, visconde de Ouro Preto; Christiano Benedito Otoni, senador e construtor da Estrada de Ferro D. Pedro II; Josefina da Fonseca Costa, baronesa da Fonseca Costa; Herbert Edgell Hunt, empreiteiro representante da Waring Irmãos; engenheiros Burnier e Alvim; engenheiro fiscal Francisco Miranda de Azevedo e o seu irmão, médico da Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II; deputado geral Olímpio Oscar de Vilhena Valadão; engenheiro Ferreira Pena; Parreiras Horta (do Ministério da Agricultura) e major Manuel de Freitas Novais. [Marc Ferrez]. 25 de junho de 1882. Colódio?, 50 x 40,7 cm. Coleção Museu Imperial (III-1-1-Nº 1)

Grupo tirado na entrada do túnel da Mantiqueira, lado paulista, quando ainda estava em construção. No primeiro plano, da esquerda para direita: d. Pedro II, d. Augusto Leopoldo, d. Teresa Cristina, conde d’ Eu, princesa Isabel, d. Pedro Augusto e Luís Pedreira do Couto Ferraz, visconde do Bom Retiro. Atrás da imperatriz, no último plano, ministro da Guerra Afonso Augusto Moreira Pena, usando bigodes e chapéu. Vê-se ainda Joaquim Delfino Ribeiro da Luz, senador; Jesuíno Lamego Costa, barão de Laguna; Manuel Alves de Araújo, ministro da Agricultura; Afonso Celso de Assis Figueiredo, visconde de Ouro Preto; Christiano Benedito Otoni, senador e construtor da Estrada de Ferro D. Pedro II; Josefina da Fonseca Costa, baronesa da Fonseca Costa; Herbert Edgell Hunt, empreiteiro representante da Waring Irmãos; engenheiros Burnier e Alvim; engenheiro fiscal Francisco Miranda de Azevedo e o seu irmão, médico da Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II; deputado geral Olímpio Oscar de Vilhena Valadão; engenheiro Ferreira Pena; Parreiras Horta (do Ministério da Agricultura) e major Manuel de Freitas Novais.
[Marc Ferrez]. 25 de junho de 1882. Colódio?, 50 x 40,7 cm.
Coleção Museu Imperial (III-1-1-Nº 1)

Ex-libris sobre São Paulo

Matéria do jornalista Edison Veiga do jornal O Estado de São Paulo falando sobre a minha coleção de Ex-Libris com alguns destaques referentes a São Paulo

 

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Santinhos da Elite Paulista

Com a implatação da estrada de ferro na segunda metade do século XIX, a produção cafeeira passou a escoar mais rapidamente. O trem descia a Serra do Mar com o café e subia carregado de materiais importados da Europa. A entrada em grande escala desses produtos pode ser notada em algumas construções remanescentes do período e de outras formas, no dia-a-dia das famílias paulistanas. Abaixo seguem alguns santinhos que selecionei da minha coleção; todos foram impressos em Paris. Parece que a produção da oficina gráfica existente na Rue Saint Sulpice acompanhava os paulistas em diversas fases da vida, desde a primeira comunhão até os funerais.