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A Pensão Milano

Pensão Milano dec 1910

Por Edison Loureiro

Esta foto retrata a Av. João e foi tirada em direção ao lado esquerdo de quem desce do largo Paissandu rumo à Praça Antônio Prado na primeira década do século XX. A casa mais alta, do lado direito ficava um pouco antes do prédio do antigo Correio Central

Na época em que a foto foi tirada a atual avenida ainda se chamava Rua de São João e sua largura era metade da atual. Ficava originalmente dentro de uma grande chácara e foi considerada até meados do século XIX a maior de São Paulo1. Durante sua longa vida ela testemunhou várias fases e aspectos diferentes da antiga São Paulo. Inicialmente pertenceu ao coronel Francisco Ignácio de Sousa Queiroz, aquele da bernarda que trouxe D. Pedro I a São Paulo, onde acabou declarando a Independência e foi embora apaixonado pela Domitila.

Foi nesta casa que Domitila, já então marquesa de Santos, foi passar uns tempos quando retornou do Rio de Janeiro, após o rompimento com D. Pedro I, segundo algumas fontes. Depois foi residência do sobrinho, o comendador Luís Antônio de Sousa Barros, pai de D. Maria de Sousa Barros2, a memorialista autora de No Tempo de Dantes. D. Maria de Sousa Barros viveu nesta casa desde o seu nascimento em 1851 até 1868, quando casou-se com seu primo Antônio Paes de Barros, passando a chamar-se Maria Paes de Barros.

Conforme a descrição da memorialista era uma casa grande com cocheira, quintal com árvores, uma nascente com tanque, dependência para os escravos e escravas, oficina, etc. Mais de vinte pessoas viviam nela. A vida corria mansa como o deslizar dos pés descalços das escravas naquela casa ocupada por uma abastada família da segunda metade do século XIX.

Na virada do século seguinte, porém, a centenária residência senhorial assistiu a cenas bem menos nobres. Tornou-se uma das pensões chiques mais famosas de São Paulo. A Pensão Milano, que também ficou conhecida como o 30 da S. João, administrado pela madame Seraphina Ricotti. A casa à esquerda teve o segundo piso transformado em restaurante para servir à pensão. Ficava bem ao lado da Pension pour Artistes Maison Dorée. Dá para ver o finalzinho do cartaz à esquerda da foto.

Pensão chique ou pensão alegre era um eufemismo para bordel de luxo e uma das moradoras mais afamadas era Marcelle d’Avreux, artista francesa que veio com a Companhia C. Seguin e se apresentava no Teatro Polytheama3. Marcelle mal falava português e ocupava o quarto sete. Esta foi pivô de um crime que ocupou as páginas dos jornais por um bom tempo. Foi na madrugada de 11 de julho de 1904.

Um pouco antes de uma hora estava Armando Pontes no quarto 7 da pensão com Marcelle d’Avreux, quando chegou Pedro Reis que era obcecado por Marcelle, e pagava todas as suas despesas. Ouvindo a voz da amante, chamou-a. Não tendo nenhuma resposta, arrombou violentamente a porta do quarto e diante da cena descarregou seu revolver contra Armando.

Acontece que este também estava armado e revidou disparando várias vezes contra Pedro Reis. O resultado do tiroteio foi Armando ferido na cabeça e na virilha direita, ficando a bala alojada no dorso. Pedro também foi atingido duas vezes, recebeu uma bala no peito pouco abaixo da clavícula e outra no braço direito. Foram os dois para a Santa Casa4.

Pedro Reis e Armando Pontes já se conheciam e o relacionamento entre os dois não era exatamente cordial. Muito pelo contrário, detestavam-se e o motivo era justamente Marcelle5.

Armando, ou melhor, o tenente-coronel Armando Pontes, de uma distinta família paulista não resistiu, pois a cirurgia para retirada da bala provocou uma peritonite traumática devido à gangrena, e faleceu no dia 14 de julho6.

Após quatro julgamentos Pedro Reis foi condenado a 21 anos de prisão em julho de 19067. Mesmo a apelação para o STF foi recusada. Quem o defendia era o ilustre advogado Antonio José Capote Valente, hoje nome de rua no Jardim Paulista.

Em setembro de 1915, já completamente cego e paralítico, pois a bala do peito atingiu a coluna dorsal, foi perdoado por decreto do Presidente do Estado nas comemorações da Independência8.

Pedro Reis não era desconhecido da malandragem, da polícia e nem da Justiça, pois, além de manter no 21 da rua da Quitanda uma casa de tavolagem9, como eram chamados os cassinos clandestinos, foi, juntamente com seu irmão Armando Reis, coautor da morte do Preto Ignácio em janeiro de 1901. Daquele feito (ou malfeito) saíram livres, mas desta vez Pedro Reis não se saiu bem10.

A casa do comendador Sousa Barros acabou desapropriada em 1911 para o alargamento da antiga Rua de São João. O valor pago foi de 216:000$000 e o terreno ocupava uma área de 1.736 m2. A proprietária era Isabel B. P. Sousa11.

Realmente a casa da São João teria muitas histórias a contar. Hoje quem passa pela calçada da avenida descendo a São João em direção da antiga agência central dos Correios pode, sem saber, estar atravessando quartos antigos onde crianças brincaram, pessoas se amaram e tragédias sucederam. Pensão Milano 1912

A Pensão Milano vista do lado oposto cerca de 1910.

Notas

1 – BARROS, Maria Paes de, No Tempo de Dantes, 2º edição, Paz e Terra, 1998.

2 – Ver Nota 1.

3 – Jornal Correio Paulistano de 25-06-1903.

4 – Jornal Correio Paulistano de 01-07-1904.

5 – Jornal Correio Paulistano de 12-07-1904.

6 – Jornal Correio Paulistano de 15-07-1904.

7 – Jornal Correio Paulistano de 14-07-1906.

8 – Jornal Correio Paulistano de 08-09-1915.

9 – Jornal Correio Paulistano de 25-02-1900.

10 – Ver relato O Preto Ignacio e respectivas notas.

11 – Jornal Correio Paulistano de 06-01-1914.

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  1. carla_battistella@hotmail.com
    29/01/2015 às 18:17

    Estes artigos são muito interessantes. A gente aprende tanto!

  2. Alexandre Nogueira
    26/04/2017 às 07:16

    História nota 1.000!!!

  3. Dorival
    10/02/2018 às 13:06

    Fantástico o seu jeito de contar as histórias! Direto ao ponto, com texto curto e saborosíssimo! Continue! Parabéns! Escreva livros!!

  1. 22/05/2015 às 22:22

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