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Archive for the ‘São Paulo Railway’ Category

Há cem anos os cocheiros brigavam com os taxistas

Por luz-circulado-1908

Por Edison Loureiro

A foto mostra a Estação da Luz em cartão postal circulado em 1908. Em frente à estação, na rua que então recebia o nome de José Paulino,  podemos ver a fileira de tílburis aguardando passageiros. Muitas vezes os passageiros tinham que despachar suas bagagens por veículo separado por falta de espaço.

Em 1911, aproveitando a maior oferta dos novos veículos automotores, Frederico Zanardi criou a empresa Companhia Nacional de Auto-Transporte e obteve licença  para estacionar seus veículos na Estação da Luz, em concorrência com os cocheiros que lá faziam ponto. Obviamente os “chauffers” da empresa não foram nada bem recebidos pelos cocheiros.

O próprio Frederico Zanardi já havia sido agredido na Rua Mauá por cocheiros irritados. Em vista disso contratou um segurança particular para tranquilizar seus motoristas. Na época, seguranças particulares eram chamados de capangas e geralmente não tinham boa fama. A própria polícia reforçou a guarda da estação colocando policiais adicionais.

Mas no começo da noite de 24 de agosto de 1911, o cocheiro Antonio de Luca, mais conhecido como “Galo” foi tirar satisfação com o “capanga” chamado Francisco da Cunha e começaram um bate-boca. Não durou muito a discussão, O Galo puxou um revólver e disparou contra o peito de Francisco que ficou gravemente ferido. No tumulto que se seguiu, o cocheiro desapareceu e Francisco, após os primeiros socorros foi internado na Santa Casa de Misericórdia.

Até onde pude seguir esta história, Francisco da Cunha sobreviveu ao ferimento e Antonio de Luca foi indiciado por tentativa de homicídio. Dois anos depois se envolveria num rumoroso caso de homicídio relatado aqui.

Foi assim. Há mais de cem anos os cocheiros brigavam com os taxistas que lhes faziam concorrência. Hoje os taxistas brigam com o Uber pelo mesmo motivo. Mas não passou pela cabeça de nenhum deputado ou senador no Congresso Nacional propor nenhuma lei que tornasse inviável o serviço dos taxistas, deixando aos passageiros decidir pelo serviço que quisessem.

Fonte: jornal O Estado de S. Paulo de 26-08-1911 e 25-08-1911

A primeira estrada de ferro paulista: uma dor de cabeça governamental

Por um aborrecimento, parei de postar algumas coisas aqui no site. Fui assaltado intelectualmente, e isso doeu bastante. Um texto meu foi retalhado, copiado e virou um pastichio de qualidade bastante duvidosa… Coisas que acontecem, na verdade já vi piores, mas quando é conosco, a pele queima, tanto quanto deveria queimar o rosto do copista, se tivesse vergonha. Nos dizeres de Eça de Queiroz: “As neves que na fronte se acumulam terminam por cair no coração”. No caso de alguns, devem ter gelado o músculo mais importante de nosso corpo.

Deixando as lamúrias para trás, conheci nesse meio tempo o Hélio Bertolucci Jr., do blog Chega de Demolir. E-mails trocados, Flickrs compartilhados, lembrei-me de Paranapiacaba  ao ver as imagens que ele tem dessa linda vila inglesa no alto da Serra do Mar, o que me fez recordar o meu trabalho de graduação em Arquitetura, eras atrás.

Eu tinha um professor, que deve ainda estar na ativa, o Célio Pimenta, viciado em balas de canela, com quem eu tentava arranhar um russo mais que enferrujado e que me chamava de Dr. Paulinho. Ele me ajudou muito no meu trabalho de pesquisa. E, esta semana, dando uma olhada no material que ainda tenho, vendo se rendia algum post sobre a Estrada de Ferro São Paulo Railway, ou sobre Paranapiacaba, achei a cópia, com que o professor Célio me presenteou, de um relatório de passagem de cargo. Nele, o então Presidente da Província, Saldanha Marinho, contava todas as agruras que vinha passando com a São Paulo Railway, ou “Inglesa”, para o seu sucessor, Joaquim Floriano de Toledo. Achei melhor trascrever na íntegra a parte das reclamações contra a estrada de ferro. Divirtam-se.

– Relatório com que S. Exa. o Sr. Presidente Conselheiro Joaquim Saldanha Marinho passou a Administração de S. Paulo à S. Exa. o Sr. Vice-Presidente Coronel Joaquim Floriano de Toledo a 24 de abril de 1868. São Paulo, Typographia do Ypiranga – Rua do Ouvidor n. 42, 1868. Páginas: 2, 3 e 4

“(…) De então até o presente, o que há ocorrido de mais notável eu passo a relatar a V. Exa.

Acham-se preparados com as necessárias assinaturas dos acionistas, os papéis indispensáveis a ser apresentados ao Governo Imperial para legalizar a existência da patriótica Companhia Paulista, que se propõe ao prolongamento da estrada de ferro de Jundiaí a Campinas.

Esses papéis serão remetidos ao Exmo. Sr. Ministro da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, para obtenção dos competentes despachos.

Não sei ainda qual a resposta que deu a diretoria da Companhia Inglesa de estrada de ferro de Santos, relativamente à intimação que aqui fiz ao seu superintendente, para salvar futuras dúvidas, que por ventura se firmassem na condição 43ª do seu contrato com o Governo Imperial.

Qualquer que seja, porém, a resposta, será agradável à Província de S. Paulo.

Se a Companhia quiser tomar a si, desde já, as obras do mencionado prolongamento, – está conseguido o nosso empenho, e a Companhia Paulista era de empregar seus esforços e capitais, para com mais brevidade, levar um tão importante melhoramento á Limeira e Rio Claro pelo menos. Se não pode ou não quer encarregar-se desse trabalho, fará a Companhia o seu dever, e nos proporcionará esse benefício.

Venha, portanto, a solução, e quanto antes, pois que, em qualquer das hipóteses, será vantajosa.

Pelo que pertence à atual estrada de ferro de Santos a Jundiaí, digo com pesar á V. Exa. Que não vai o seu tráfego e direção. A despeito dos maiores esforços que o honrado, ativo e inteligente Engenheiro-Fiscal tem empregado, a despeito de minhas admoestações, algumas vezes severas mesmo, não se tem conseguido os melhoramentos desejáveis.

Não, certamente, porque o digno superintendente não se esforce por bem servir, mas porque todos os esforços estacam ante a inércia da diretoria de Londres, a qual, a despeito de oportunas e instantes requisições, nem tem satisfeito as necessidades já indeclináveis de trem rodante, e de algumas obras, cuja demora é prejudicalíssima, e nem  sequer, provindecia, como deve, em bem de ocorrer a reclamações que constantemente lhe têm sido dirigidas para misteres que cumpre satisfazer.

Dizendo à V. Exa. que tive de autorizar um empréstimo, pela Capitania do Porto de Santos, de carvão à Companhia, para que não parasse o tráfego por falta de oportuna remessa desse gênero, tenho dito quanto basta, a respeito do descuido e do desazo, como que calculado, da suprema administração dessa Companhia infeliz.

E, entretanto, nenhuma outra estrada de ferro do Império oferece mais vantagem.

Desde que as copiosas chuvas que caíram ocasionaram estragos consideráveis em parte dessa estrada, cujos reparos se fizeram com mais presteza pela energia que foi empregada pela Engenheiro-Fiscal, até hoje, e por falta de locomotivas, não pode essa estrada dar vazão às cargas que por ela têm que seguir para o Porto de Santos.

Com isso têm os nossos agricultores desse lado da Província sofrido um prejuízo cujo valor bem pode ser calculado para mais de 600:000$ rs.

O mais alto preço do café e do algodão não pode ser aproveitado: diversos empenhos dos fazendeiros deixaram, com grave prejuízo, de ser satisfeito, e ainda hoje muitos estão privados das remessas de seus produtos, mesmo mudado o horário das viagens, como consenti sob proposta do superintendente.

Desde o começo das obras dessa estrada, parece que uma má estrela a tem sempre comprometido. Os erros grosseiros e desazo na construção; os dispendiosos e perigosos planos inclinados; os maus nivelamentos, e em muitos lugares péssimas obras, são bem correspondidos pela falta atual de vagões e de locomotivas suficientes, – tudo denota que mau cálculo, maus estudos, má direção têm levado as coisas ao pé infeliz em que se acham.

Parece que a diretoria de Londres ignora absolutamente o preceito da nossa Lei Comercial, que obriga a cessação das companhias anônimas que não satisfazem o fim de sua instituição.

E como se todos estes desmandos não bastassem; hoje, que, confiados os nossos agricultores na certeza de transporte pela estrada de ferro, abandonaram os antigos meios de condução de seus produtos para o mercado, – a diretoria de Londres, que aliás não tem cumprido o Acordo que para a obtenção de grandes favores com o governo celebrou em 4 de dezembro de 1866, pretende atualmente, segundo tenho coligido, de diversos atos, para furtar-se à satisfação de seus compromissos com o mesmo governo, obter ainda novos favores inclusive o de lhe ser recebida definitivamente a estrada com as imperfeições que ela tem, ameaçando com a cessação do tráfego.

Não sei se bons fundamentos sustentam esta minha suposição, mas, se assim acontecer, mande o Governo Imperial fazer essa Companhia efetivas as culminações que às Leis Brasileiras estatuem em relação a companhias anônimas, que por tal modo se conduzem e convenço-me de que conseguirá garantir altos interesses agrícolas, que ficariam comprometidos se por tal modo se houvesse a mesma Companhia.

À ameaça que nos pode fazer, sem fundamento nem legitimidade, podemos opor ameaça justa e fundada, de fazer contra ela efetivas Leis do país.
Confio, entretanto, em que o Governo Imperial providenciará de modo a remediar este estado de coisas relativo à estrada de ferro de que me ocupo, e a respeito da qual me limito às considerações que acabo de fazer.

Esta província tem um futuro grandioso diante de si. Ubérrimas terras, população inteligente, muita ilustração tem ela.

Facilitem-lhe as comunicações, proporcionem-lhe meios de transporte, e o tempo, não muito remoto, lhe dará um dos primeiros lugares no Império.

Não me esqueci um momento do que a respeito me cumpria fazer. (…)”

Obs. As fotos que ilustram essa postagem são do meu arquivo particular de imagens.