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O confuso caso de Emma Bellini

Paissandu 1914

Por Edison Loureiro

A foto foi tomada do largo do Paissandu, quase esquina com a Av. Rio Branco em direção à Av. S. João em 1914. É a continuação da R. D. José de Barros. Podemos notar, mais ou menos no centro da foto, a esquina com a atual Rua do Boticário, então Rua Amador Bueno.

Na casa, cuja entrada é a segunda porta a contar da esquina da Rua do Boticário no sentido S. João, ocorreu em 1913 um fato que repercutiu nos jornais por um bom tempo1.

Conforme a descrição dos jornais era uma casa muito simples e pequena. A porta da rua abria para uma pequena escada de quatro degraus, depois um corredor estreito com um quarto pequeno de cada lado. Mais além uma saleta e ao fundo a cozinha acanhada com piso de cimento. À direita da saleta uma porta e uma janela davam para uma área comum com a casa ao lado. Nos fundos do terreno o tanque e um banheiro comum às duas residências. O fundo do terreno dava para a Rua do Boticário através de uma casa de tolerância desta rua. Provavelmente o Palácio de Cristal, dirigido por mme. Sanchez, a Pommery de Hilário Tácito2. Talvez seja o topo do sobrado que vemos na foto. Morava nesta casa a “demi-mondaine” Emma Bellini, italiana um tanto rechonchuda, natural de Caserta, que dizia ter 27 anos.

Na manhã de 26-09-1913, uma sexta-feira, sua vizinha Raphaela Simino que vivia na esquina, estranhando o silêncio incomum na casa ao lado notou que o bico de gás da sala ainda estava aceso (não havia luz elétrica). Era estranho, pois a esta hora o gramofone da vizinha normalmente estaria tocando e o que se escutava era apenas a fala do papagaio. Espreitando pela janela da sala de Emma notou sua vizinha deitada imóvel no solo com os cabelos desalinhados.

Raphaela alertou seu marido Innocencio que resolveu chamar o soldado de ronda (sim, eles existiam nesta época). O soldado bateu à porta quando notou que a mesma não estava trancada, resolveu então deixar um colega de guarda e foi até a caixa de alarme da Assistência dar o aviso à Central de Polícia.

Quando o delegado de plantão e os médicos assistentes entraram na pequena casa verificaram que Emma Bellini encontrava-se morta e o local estava todo em desordem. Sobre a mesa garrafas de bebida e copos usados. No chão, ao lado do cadáver, um cofre vazio e, no canto a gaiola com o papagaio verde. Após a chegada de mais dois delegados, Franklin Piza e Cantinho Filho (que se tornariam famosos) mais a polícia científica, foi constatado que a infeliz morrera estrangulada por um cordão de chapéu.

A investigação que se seguiu daria um roteiro de romance policial tal a quantidade de personagens estranhos envolvidos.

A suspeita inicial recaiu sobre André Brovi, que já havia sido amante de Emma por nove anos e já a havia explorado, não só em São Paulo como na Itália, França, depois Buenos Aires, de onde vieram os dois a São Paulo. Emma tentava livrar-se dele, porem apesar de casado há pouco tempo com outra, continuava explorando-a.

Innocencio Simino, conhecido como Castagnaro, também era uma alternativa, pois também não tinha antecedentes muito recomendáveis: tinha sido amante da própria filha e seu filho era um conhecido ladrão.

Na falta de evidências conclusivas sobre a culpa de Brovi ou de Castagnaro, as investigações prosseguiram e acabaram envolvendo personagens como Palermo Caetano que foi visto em um carro branco dirigindo-se para Osasco com os indivíduos já conhecidos da polícia, Antonio de Luca, conhecido como Gallo e o cocheiro do carro de praça 51, o Olho de Vidro, mais duas mulheres de vida fácil, Angelina Vendiamati e Lili Polin. Palermo confirmou a história, mas verificou-se que nada tinha a ver com o caso Emma Bellini. Simplesmente Gallo havia-se envolvido em um conflito em um bar e resolveu fugir para Osasco por medo de novo envolvimento com a polícia. Olho de Vidro, como amigo resolveu acompanhá-lo, e as mocinhas? Bem… Talvez para tornar o passeio mais agradável. Antonio de Luca, o Gallo, já havia sido indiciado por tentativa de homicídio numa briga entre taxistas e cocheiros há dois anos, conforme eu contei nesta história.

Alem de Brovi, Castagnaro, Gallo e Olho de Vidro, vários suspeitos foram investigados, como Raphael Salvastani, Januario Baldassari, Raphael Maffei, João e José Turco e outros.

Foi somente em outubro de 1913, após muita idas e vindas, que a investigação terminou em uma hospedaria mal afamada de Santos denominada L’Arena Viareggio, popularmente conhecida como Bosque da Meia-Noite. Acontece que o delegado Cantinho Filho foi informado sobre uma prostituta chamada Dolores da Silva, que trabalhava em uma das pensões alegres da São João, conhecia os verdadeiros culpados. Assim chegou-se aos nomes de Julio (ou Giulio) Manetti e Elia Del Sole. Manetti já era bem conhecido da polícia por suas façanhas não só aqui, como também em Buenos Aires e Montevidéu.

Foram arroladas também testemunhas como o empregado da Light João Augusto da Silva, frequentador da casa de Emma, que na noite do crime esteve no local, e encontrando a porta semicerrada, entrou e deu de cara com os dois indivíduos, que havia visto momentos antes na pensão de Rosa Martinez. O mesmo testemunhou outro frequentador da casa, Jacob Blumer Soares. Outra testemunha foi Fernando Renzo, que rondava o lugar com intenção de entrar. Quando João Augusto saiu, Fernando entrou, mas ao chegar ao corredor escutou barulho de luta na sala. Pensando tratar-se dos habituais conflitos que ocorriam neste tipo de casa, retirou-se e esperou do lado de fora. Não tardou dez minutos quando viu os dois suspeitos saírem com um embrulho. Voltou à casa de Emma e bateu à porta, não obtendo resposta acabou indo embora.

Finalmente em 21 de fevereiro de 1914 o caso foi a julgamento, que correu sem incidentes, diferente do que havia ocorrido durante o sumário de culpa. Naquela ocasião, em 10-11-1913, o advogado dos réus, Antonio Augusto Covello, apelidado nos meios jurídicos como Mefistófeles (por sua barba pontuda) e conhecido por sua atuação dramática e exagerada, desacatou o juiz, dizendo que “ali não era uma fazenda onde o juiz mandasse como coisa sua”. Apesar de advertido pelo juiz, continuou gritando e tentou agredir o juiz. O réu Elia Del Sole aproveitou para lançar um berço de mata-borrão na testemunha Fernando Renzo e ameaçou a todos com sua cadeira. Evidentemente foram todos presos de imediato.

Malgrado os esforços da polícia, as provas eram muito fracas, as testemunhas foram todas desqualificadas pela defesa e os réus foram absolvidos por um voto de diferença. Continuaram presos até outubro de 1914 quando o Tribunal de Justiça confirmou o veredito.

De Elia Del Sole não houve mais notícias, mas Julio Manetti transferiu-se para o Rio de Janeiro onde continuou sua vida de malfeitor usando o nome de Romeu Mazzi. Na madrugada de 08-12-1916 acabou morto num tiroteio quando assaltava a casa do diretor da Light e ex-delegado de polícia Francisco de Castro Jr3.

Notas

1 – Os detalhes desta história foram retirados de reportagens publicadas nos jornais O Estado de S. Paulo e Correio Paulistano do período de 27-09-1913 a 23-02-1914 exceto indicação contrária.

2 – Madame Pommery foi um personagem do livro de mesmo nome de Hilário Tácito, pseudônimo de José Maria de Toledo Malta, sátira que retrata a trajetória de uma cafetina e os costumes de sua época. Muitos dizem que foi calcada em Madame Sanchez, dona do bordel Palácio de Cristal.

3 – Jornal Correio Paulistano de 11-12-1916.

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  1. 05/11/2017 às 12:09

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