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A S.P.R. e seu Início Desastroso

1865pbA Estação da Luz em 1865

Por Edison Loureiro

Seguro morreu de velho
Quem avisa amigo é
Quem quiser dar bons passeios
Tem carrinhos – sem receios
Bem baratos lá na Sé

O que tem os versinhos acima a ver com a SPR – São Paulo Railway, a “Inglesa”? Para entender temos que conhecer a história da festa da chegada da primeira locomotiva à Estação da Luz,

Apenas alguns anos depois que foram inauguradas as primeiras ferrovias na Inglaterra, em 1825 e 1829, houve uma primeira tentativa de construção de uma ferrovia em São Paulo que permitisse escoar a produção de bens que eram produzidos no interior para o porto de Santos.

Assim, já em 30 de março de 1835 foi votada uma lei provincial autorizando o Presidente da Província a “conceder carta de privilégio exclusivo para a companhia de Aguiar, Viúva, Filhos & Comp., Platt e Reid para a factura de uma estrada de ferro para o transporte de gêneros e passageiros desde a Villa de Santos até São Carlos [atual Campinas], Constituição, Ytu, ou Porto Feliz”, mas esta iniciativa não foi para frente.

Somente vinte anos depois, uma lei geral e outra provincial deram condições para que em 26 de abril de 1856 um decreto desse concessão por 90 anos a Irineu Evangelista de Souza, então Barão de Mauá, José Antonio Pimenta Bueno, futuro Marquês de São Vicente, e José da Costa Carvalho, Marquês de Monte Alegre para a construção e exploração de uma ferrovia que ligasse Santos a Jundiaí. Assim, em 1860, foi reunido o capital que formou a São Paulo Railway Company com aporte de capitais ingleses.

As obras começaram em 24 de novembro de 1860 e em 1864 já estava funcionando o primeiro plano inclinado da Serra.

Em 1865, todos os 800 metros da Serra do Mar já haviam sido vencidos e os trilhos chegavam à então modesta Estação da Luz.

A Câmara Municipal resolveu então fazer uma grande comemoração. Ao meio-dia de seis de setembro daquele ano foi marcada a chegada do primeiro trem à Estação. Haveria uma cerimônia de batismo do trem, após a banda de música, e os discursos de praxe, seria oferecido um “copo d’água” aos empreiteiros da estrada, no Jardim Público. Bem, o tal “copo d’água” era um eufemismo para um opíparo banquete no Jardim da Luz.

Ao saber dos planos da Câmara, um dos funcionários da empresa, Sr. Henderson disse que não era conveniente, pois apesar dos trilhos já estarem assentados até a Estação da Luz, ainda havia trabalho a fazer no assentamento e o trem deveria trazer grande quantidade de material.

Mas o roteiro da solenidade foi seguido e o trem foi recebido na Mooca com uma banda de música. Vários figurões graúdos, inclusive o Presidente da Província, o Conselheiro Carrão embarcaram para serem recebidos em triunfo na Estação da Luz. Eram duas locomotivas puxando três vagões. O Conselheiro Carrão acomodou-se na primeira locomotiva junto com mais algumas pessoas e todos os outros nos vagões.

A viagem transcorreu tranquila até o Brás e passando a estação do Brás havia uma ligeira curva à direita e entrava-se no aterrado que seguia em reta pelo aterrado da várzea do Tamanduateí até a estação.

Após passar o Brás, o maquinista acelerou a composição e, quando chegava à ponte do Tamanduateí, já próximo ao Jardim da Luz, ouviu-se um forte estalo e a corrente que unia as duas locomotivas partiu-se. A primeira seguiu em frente, mas a segunda despencou pela borda do aterro levando o resto do comboio e uma parte dos trilhos. Calculou-se a velocidade do comboio em 45 km/h.

O maquinista Peregrino Lodi, teve morte instantânea e os passageiros todos ficaram feridos, alguns em estado grave, mas todos acabaram se recuperando.

Quem pagou o pato foi o engenheiro fiscal do governo, Ernesto Street, que perdeu o emprego.

Os versos que abrem esta história são de autoria de Pedro Taques de Almeida Alvim (1824-1878), que além de poeta, foi redator e um dos proprietários do jornal Diário de São Paulo além de deputado provincial em várias legislaturas e seguramente foi um dos passageiros da viagem fatídica. O melhor a fazer então é encerrar a história passando a palavra ao Segismundo José das Flores, pseudônimo que usava Pedro Taques em suas crônicas divertidas em forma de cartas de um caipira para o compadre. Ele que ele conte como foi o acidente.

“Vinham duas charolas adiante com a cozinha do bicho, cuja chaminé botava fumaça que era uma temeridade. Treparam todos e por minha desgraça eu também, que fiquei em um dos caixões da tal chocolateira. Não sei porque, compadre, quando empanelei-me no tal patíbulo, tive ímpetos de pedir demissão.

Já ia formando  um pulo para safar-me quando roncou a monstruosidade, que só me deu tempo para agarrar-me a um pobre companheiro, ainda mais desgraçado que eu.  O bicho deu um arranco e assobiou que se podia ouvir aí bem perto do sítio do compadre Antonio Joaquim. Varou por aí como um rojão soltado atravessado e, enquanto o diabo esfrega um olho, já tínhamos enxergado a cabecinha da torre do Brás.

Até o dito Brás o bicho desunhou que só enxergamos o verde do terreno que ia passando de carreira por nós. Daí em diante é que a porca torceu o rabo. O maquinista, foguista, cozinheiro ou o diabo que o valha que dá corda de fogo ao tal vagão parece que engrilou e meteu as chinelas no bicho. Aqui é que foram elas. Não enxergamos mais nada, era tudo cor de ar; os passageiros davam cabeçadas, as cadeiras iam ao chão. Eu gritava ao homem do fogareiro que parasse com um milhão de diabos, pois receava que aquilo estourasse com governo, câmara e Segismundo. Qual! O ladrão do rei do fogo redobrava a doze e o bicho ia corcoveando.

Ninguém dizia palavra porque contra o progresso de fogo ninguém pia, muito menos eu, apesar de estar desesperado por pilhar em terra o tal inglês da cozinha. Continuou o desalmado a esporear o potro de ferro que botava fogo pelo nariz e fumaça pelos olhos.

E agora compadre, veja o que me aconteceu nessa idade! Tanto fez o bruto da chaminé com o seu canudo que o potro corcoveou de verdade, tropicou no estribilho e prancheou conosco!

Não sei o que aconteceu, pois desfaleci. Quando dei por mim estava eu dentro de um valo com meus colegas de caixão e com os respectivos caixões em terra, os varões arrebentados, uns a saírem do valo e outros a saltarem da ratoeira. Entre mortos e feridos alguns escaparam. Eu agarrei-me a uma cerca e fiquei nela escarranchado e habilitado a meter-me em curativos de cirurgiões.

Cada um tratou de si, cuidando de safar-se e dar o basta, apesar de já estarmos perto do Jardim, como indicava o cheiro do almoço municipal.”

Fontes

Jornal Diário de São Paulo de 10-09-1865 e 12-09-1865
Jornal Correio Paulistano de 06-09-1865 e 07-09-1865
Pinto,  Adolpho Augusto  – História da Viação Pública de São Paulo, 1903.

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  1. Jose Luiz
    06/04/2016 às 15:08

    Excelente texto. Parabéns.

    • Edison Loureiro
      06/04/2016 às 16:06

      Obrigado José Luiz.

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