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Memória seletiva, patrimônio sucateado

Recentemente, conforme relatou o jornal o Estado de São Paulo de 1º de novembro, na matéria intitulada “Solar devolve bens de Domitila a USP”, eu acompanhava um grupo de estudantes em uma visitação pelo centro de São Paulo quando paramos no Solar da Marquesa de Santos.

Em cima do balcão de informações, um papel dizia que a sala a respeito da famosa personagem passava por manutenção. Na realidade, a placa e a informação nela contida não passavam de um “cala-boca”, como veio a descobrir o jornalista Edison Veiga. Todos os objetos de uma antiga exposição sobre a marquesa e sobre o imóvel retornaram à USP e a seus demais proprietários legais devido ao término dos seguros das peças. Mas, cansado de ter que responder se não havia nada da marquesa na casa para os desavisados que lá entravam, algum funcionário criativo inventou a tal plaquinha de desinformação.

A desculpa da Secretaria de Cultura do Município de São Paulo para a inexistência de qualquer objeto, bem como de qualquer informação, a respeito dos antigos proprietários do Solar e da casa em si é de que o local “não é um museu dedicado à marquesa”. A frase é tão descabida perante o contexto que ilustra bem o descaso com que é tratada a memória da cidade e, por extensão, a memória nacional.

quadro-museu-historico-nacionalO ponto principal não está nos objetos em si, mas em a sede do complexo denominado de “Museu da Cidade de São Paulo” não ter qualquer informação de onde os visitantes podem saber algo a respeito de quem morou lá, TODOS, não apenas a marquesa. Não há em canto algum informação de que o local, antes da nobre moradora, tenha servido de residência dos capitães-generais da província de São Paulo. Nem uma vírgula a respeito de a casa ter sido Palácio Episcopal, muito menos de ter servido como sede da The San Paulo Gas Company. Quanto à importância do imóvel em si, isso então, nem pensar! Que importa que o solar seja o único remanescente urbano no centro da cidade feito de taipa de mão, de pilão, taipa francesa, além de adobe, que não acabou no chão em nome do “progresso”? Mas na Casa Modernista, também parte do complexo do museu, existem informações sobre seu proprietário, com um vídeo contando sobre a casa e com depoimentos… Mas lá não é um museu sobre Gregori Warchavchik! Dois pesos e duas medidas, por quê? Falar do Modernismo é chique e de outros períodos, principalmente do Império, é demodê?

A matéria do Estadão falando sobre os patrimônios geridos pela municipalidade chegou até a escandalosa questão do Monumento do Ipiranga. Ele é um retrato do abandono pelo qual nossa memória passa. Se não fosse pela Associação Comercial do Ipiranga, nem bandeira nacional haveria no mastro! O Departamento de Patrimônio Histórico parece se preocupar mais com o visual do que com o interno. Gastaram uma fortuna para um estrangeiro dizer que os bronzes do complexo estão em perigo, e, pasmem, ainda o francês comentou que as espadas das figuras poderiam ter sido arrancadas por raios… Esses estrangeiros são tão brincalhões! Ou será que na França ninguém depreda patrimônio histórico para trocar por comida ou por drogas?

O DPH parece muito com um vizinho que eu tinha, que na época do Natal e do Ano Novo, quando os parentes vinham se reunir em sua casa, dava uma passada de cal nas paredes externas pra manter as aparências. Realmente pretendem gastar uma fortuna, que não possuem, para restaurar a parte externa do monumento do Ipiranga? E a Cripta Imperial, do lado de dentro, que faz água e cuja fiação elétrica não passaria por nenhuma vistoria séria? Nem vou repetir novamente a história da Constituição de bronze roubada de cima do túmulo de d. Pedro I em plena luz do dia!

Recentemente, foi anunciada por esse mesmo Departamento de Patrimônio Histórico, desse governo que, como outros, mostra inépcia em gerir os bens municipais, a “Virada do Patrimônio”. Nesse evento, a prefeitura pretende mostrar os bens tombados, não só aqueles pelos quais deveria zelar e não o faz, mas também convida os munícipes que convivem com a fatalidade de ter um bem tombado a abrirem seus imóveis particulares para a população. Tudo lindo e maravilhoso, talvez na França, de onde importaram a ideia, junto com o tal francês que achou que as espadas do monumento tinham que ser aterradas para não funcionarem mais como para-raios…

Pela viagem que acabei de fazer, mapeando no Vale do Paraíba o patrimônio que ainda resta da época em que o príncipe d. Pedro por lá passou, a palavra “tombamento” causa arrepio em todos os donos de propriedades antigas que afirmam que elas são preservadas, mas não tombadas. Eles viram, assim como eu, a inépcia de um programa municipal, estadual e federal em realmente preservar o nosso patrimônio com a agilidade necessária. Absolutamente todos os bens tombados que anotei para ver nas cidades de Silveiras, Areias, São João da Barra e Bananal e que não eram utilizados com frequência hoje estão no chão. Em grande parte por culpa da morosidade das esferas públicas no que diz respeito à tramitação dos processos de manutenção dos imóveis antes que eles desabem na cabeça do pobre que continuar sob aquele teto.

Mas, voltando ao nosso município, a prefeitura de São Paulo quer fazer Virada do Patrimônio, mas não existe muito o que comemorar, nem o que ver. A prefeitura, há décadas, não consegue manter a própria casa limpa e com a memória conservada. O Solar da Marquesa de Santos é só um dos diversos problemas de memória seletiva que infestam os governos municipais. Os partidos e seus sequazes podem se dar ao luxo de labutarem no mundo das ideias qual a melhor maneira de expor suas filosofias por meio da gestão do patrimônio público, mas o público em si só quer que sua história não desapareça no meio dos jogos políticos que mudam a cada quatro anos.

Paulo Rezzutti

Confira a reportagem do Estadão no blog do jornalista Edison Veiga, o Paulistices e no portal de notícias UOL.

Pixaram O Brecheret

Num país de alienados

Num país de alienados, de pseudos antenados, nada se cria, tudo se destrói. Patrimônio histórico é lixo.

Corpos que já foram símbolos da pátria, usados e abusados por diversas vertentes políticas jaziam esquecidos e, até, perdidos no monumento à Independência. Não era moda falar deles e quem mexeu com “aquilo” agora é mau visto, pois “só queriam aparecer”.

Mudam museus por moda, e o Primeiro Reinado foi pro lixo e vai virar um novo modismo, até que venha outro governante alienado e pseudamente antenado e mude tudo de novo. E agora pixaram o Brecheret… se a moda pegasse na Rússia Soviética não tinha sobrado um palácio em Moscou, Petersburgo ou Tsarskoye Selo intacto. Mas lá os marxistas eram mais civilizados, preservaram e reconstruiram castelos, palácios e monumentos após serem devastados por nazistas pois haviam sido feito pelo povo, eram arte. Aqui, pixasse porque os pseudos antenados são contrários a exploração dos índios, dos negros e da forma como a história foi contada.

Num discurso cada vez mais abrangentes onde os pseudos antenados utilizam-se de expressões como “Bom dia a TODOS E TODAS”, porque eu não me sinto incluído? Porque eu me sinto barbarizado cada vez que a minha cidade e suas obras de arte são atacadas por quem quer ser respeitado? Onde está a lógica disso?

Entendo que formulas como “O Brasil foi descoberto em 1500” não fazem mais sentido. Os índios já estavam aqui. A forma como a nossa história foi ensinada, através da ótica do Europeu, deve e tem que ser revista… Mas porque os nossos monumentos, nossas obras de arte, nossos espaços (poucos) de lazer tem que pagar o pato?