Arquivo

Posts Tagged ‘Álvares de Azevedo’

Salão musical da Marquesa de Santos

Programa fantástico a respeito da música no tempo da Marquesa de Santos, vale muito ouvir, é uma viagem no tempo com trilha sonora!

http://culturafm.cmais.com.br/saloes-musicais-historicos/saloes-musicais-historicos-2012-07-25

São Paulo em 1822, ou o que o Demonão viu além das curvas de Titília

Dom Pedro e sua comitiva entraram por São Paulo pelo melhor caminho que existia na época para apreciar devidamente a cidade. Depois de passar a colina da Penha, uma outra, mais ao longe, ostentava as torres de oito igrejas, dois conventos e três mosteiros. Passando pela Várzea do Carmo, um verdadeiro pântano onde hoje encontra-se o Parque D. Pedro II, Pedro I subiu a atual Rangel Pestana em direção ao então núcleo urbano da cidade, desenvolvido ao redor do Colégio dos Jesuitas e confinado entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí. O que Dom Pedro viu? Além das curvas de sua Titília?

Uma das primeiras coisas que D. Pedro deve ter notado foi a taipa paulista. Diferente dos nossos atuais arranha-céus, a morada paulista da época era feita de barro, socado com o pilão ou espalmado em treliças de madeira. As casas eram pintadas com uma espécie de cal, tirado da região da ladeira da Tabatinguera, o “Barro Branco” que dava o nome indígena ao local. Raras eram as casas de pedra ou tijolos. As construções eram, geralmente, de dois andares, dotadas de balcões onde os paulista “tomavam a fresca”, de manhã e de noite, onde assistiam às passagens das procissões, que não eram poucas. Aliás, o povo paulista era bastante devoto: a cidade inteira parava para rezar o terço à hora da Ave-Maria. Em 1822 existiam três oratórios públicos, um deles nos famosos “Quatro Cantos”, a antiga encruzilhada formada pela Rua Direita e a Rua de São Bento. Alguém que conhece a Pauliceia consegue imaginar parte da população ajoelhada lá, às 18h, em pleno horário atual de “rush”? Pois na época isso ocorria: a multidão tomava toda a calçada e parte da largura da rua, onde rezavam por 25 minutos. Atropelamentos não existiam, afinal, só havia um coche na cidade inteira em 1822, o do Bispo de São Paulo. Os outros meios de transporte eram as cadeirinhas, onde escravos faziam o papel de motor, e os milenares carros de boi com seu gemer característico.

O povo paulista abastecia-se de água em fontes, geralmente próximas das igrejas, que, pela época da vinda de D. Pedro I, deviam estar, como aconteceria por mais cinquenta anos até a implantação da Companhia Cantareira, secas.

Quando os paulistas não estavam rezando ou procurando água, poderiam ser encontrados matando tempo jogando em família a bisca, a douradinha e o “vive l´amour”; exercitando suas primeiras tacadas no bilhar do Antonio José Pereira dos Santos, na rua do Comércio; trocando dedos de prosa na Botica do Lúcio ou na do Mota, tio do futuro poeta Alvares de Azevedo, que tão bem deixou ilustrado em “Macário” o hábito paulista de comer couves cozidas. Falando em comida, não podia faltar na mesa do paulista a excelente mostarda que vinha da fazenda dos padres beneditinos em São Bernardo. Também o doce de figo, um dos maiores quitutes da cozinha paulista, estava sempre presente.

Jornal só existiria no próximo ano, em 1823. Escrito a mão, servia cinco assinantes. Era confeccionado pelo “Mestrinho”, apelido do genial Antonio Mariano de Azevedo Marques, que, com onze anos, lecionava latim na Sé.

Além das prosas, o paulista também tinha diversões noturnas, como bailes, sendo os mais concorridos o do Palácio do Governo, então localizado no Pátio do Colégio após a desapropriação dos bens dos jesuítas. A vinte passos da sede do governo ficava o teatro em que D. Pedro, com a sociedade paulista, comemorou na noite de 7 de setembro de 1822  o “Grito” que deu no Ipiranga, sendo aclamado pelo padre Idelfonso Xavier o “Primeiro Rei do Brasil”. Na época, a sociedade teatral começava a se organizar. Os escravos e prostitutas colocados no palco anteriormente, já davam lugar a artistas mais experientes. Sim, eu falei em prostitutas; se é a mais antiga das profissões, não podia deixar de falar sobre as que a praticavam na São Paulo de Piratininga.

As prostitutas paulistas do começo dos 1800 seriam virgens nos dias de hoje! Elas só apareciam à noite atrás de tropeiros. Cobertas por amplos capotes de lã, deixavam somente parte do rosto à mostra. Vindas, geralmente, de muito longe, davam um toque oriental à noite paulista mal iluminada. O viajante francês Saint-Hilaire afirmava que elas passeavam lentamente pelos caminhos ermos da cidade, jamais abordando ninguém. Não conversavam nem entre elas, e Saint-Hilaire atestava que nada tinham do cinismo e descaramento das suas colegas de profissão francesas.

A peça que foi apresentada à D. Pedro na noite de 7 de setembro de 1822 no teatro, e que ele não ficou até o fim para assitir, chamava-se “O Cavaleiro de Pedra”, uma história a respeito do célebre amante Don Juan. A peça foi imortalizada por Mozart na ópera “Dom Giovani”, na qual Leporello, empregado de Giovanni, conta que seu mestre tinha, só na Espanha, “Mille e Tre” amantes. D. Pedro, que ficaria famoso pelas suas, sendo a mais famosa a nossa Titília, tinha bem mais o que fazer naquela noite além de ouvir sobre o caso amoroso dos outros. Segundo alguns relatos, tinha pressa em ver Domitila, com quem já tinha “ficado” em 29 de agosto, dias depois de ter entrado na cidade.

Do Palácio, no Pátio do Colégio, ele governou São Paulo por 15 dias, apaziguou os ânimos políticos dos bernardistas x andradistas, convocou novas eleições. Mas o que levou mesmo daqui foi a lembrança de um grande amor que duraria sete longos e escandalosos anos. Como não assistiu a peça até o final, não aprendeu o mais importante segredo de Don Juan: nunca se apaixonar por suas amantes.

Titília e o Demonão – Cartas inéditas de Pedro I à marquesa de Santos

Amor e paixão na maior descoberta de documentos da História do Brasil.

Ao longo de quase dois séculos, ficaram escondidas dos olhos do mundo 94 cartas íntimas do imperador dom Pedro I para a célebre marquesa de Santos, com quem manteve um turbulento caso de amor que constituiu o mais ruidoso escândalo da sua época e o maior romance da nossa história. Agora, transcritos e comentados, esses documentos profundamente humanos e de incomparável valor histórico nos mostram um jovem monarca impetuoso e apaixonado, dono de aguçado senso de humor, que escreve coisas libidinosas à amante, tenta acalmar as crises de ciúmes dela ao mesmo tempo em que esbraveja, movido pelo mesmo estado emocional, mas também revelam um homem atencioso para com a mulher amada, os desabafos dele, sua preocupação com os problemas brasileiros, seu interesse e carinho pelos filhos, permitindo-nos conhecer de fato a personalidade do líder que promoveu a nossa Independência, ao mesmo tempo em que descortinam, por meio de detalhes prosaicos, um rico painel da vida cotidiana e dos costumes do Brasil durante o Primeiro Reinado.

“Titília e o Demonão é um marco importantíssimo no entendimento da biografia de d. Pedro I. Fiquei encantado ao ler esse livro”.
Laurentino Gomes

“Titília e o Demonão está belíssimo. Suas notas e apresentação, impecáveis. Que prazer em ler e aprender com pesquisas como estas!”
Mary Del Priore

 

 

Titília e o Demonão – cartas inéditas de Dom Pedro I à Marquesa de Santos
Autor: Paulo Rezzutti
Assunto: Cartas de Amor, História do Brasil, Biografias
Formato 15,5×22,5 cm, 352 págs.
ISBN: 978-85-61501-62-4
Cód. barra: 978-85-61501-62-4
Peso: 0.5 kg.
R$ 39,90

São Paulo vista por Satã / Álvares de Azevedo

O poeta Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo, mas muito cedo mudou-se para a Corte, voltando para cá duas vezes, sendo que na última frequentou o Curso Jurídico instalado no velho mosteiro franciscano.

A sua correspondência com sua mãe –  a parte que sobreviveu e foi publicada –  mostra muito do rapaz acostumado com as mordomias da capital do império em detrimento à vida enfadonha da capital da província paulista. Mas, além de fofocas de baile, dos vestidos, penteados e jóias, que estranhamente parecem encantar o autor de “Se eu morresse amanhã”, ele nos legou uma saborossíssima crônica sobre São Paulo no seu “Macário”, onde fala sobre os tipos paulistas e os hábitos da época (final da década de 1840 e começo dos 50).

Macário, o personagem da peça, é um estudante e poeta romântico que vem estudar na capital, e em uma taverna, após vencer a Serra do Mar, encontra um misteriosos companheiro de viagem, que revela-se depois ser Satã. É através do próprio Tinhoso que Álvares de Azevedo despeja toda sua crítica à capital paulista.

MACÁRIO

– Tudo isso não prova que ele não trota danadamente. Falta-nos muito para chegar?

SATÃ

– Não. Daqui a cinco minutos podemos estar à vista da cidade. Hás de vê-la desenhando no céu suas torres escuras e seus casebres tão pretos de noite como de dia, iluminada, mas sombria como uma essa de enterro.

Vista da cidade de São Paulo da estrada de Santos, 1839

MACÁRIO

– Tenho ânsia de lá chegar. É bonita?

SATÃ ( boceja )

– Ah! é divertida.

MACÁRIO

– Por acaso também há mulheres ali?

SATÃ

– Mulheres, padres, soldados e estudantes. As mulheres são mulheres, os padres são soldados, os soldados são padres, e os estudantes são estudantes: para falar mais claro: as mulheres são lascivas, os padres dissolutos, os soldados ébrios, os estudantes vadios. Isto salvo honrosas exceções, por exemplo, de amanhã em diante, tu.

MACÁRIO

– Esta cidade deveria ter o teu nome.

SATÃ

– Tem o de um santo: é quase o mesmo. Não é o hábito que faz o monge. Demais, essa terra é devassa como uma cidade, insípida como uma vila e pobre como uma aldeia. Se não estás reduzido a dar-te ao pagode, a suicidar-te de spleen, ou a alumiar-te a rolo, não entres lá. É a monotonia do tédio. Até as calçadas!

MACÁRIO

– Que têm?

SATÃ

– São intransitáveis. Parecem encastoadas as tais pedras. As calçadas do inferno são mil vezes melhores. Mas o pior da história é que as beatas e os cônegos cada vez que saem, a cada topada, blasfemam tanto com o rosário na mão que já estou enjoado. Admiras-te? por que abres essa boca espantada? Antigamente o diabo corria atrás dos homens, hoje são eles que rezam pelo diabo. Acredita que faço-te um favor muito grande em preferir-te à moça de um frade que me trocaria pelo seu Menino Jesus, e a um cento de padres que dariam a alma, que já não têm, por uma candidatura.

Uma das pontes de alvenaria sobre o Tamanduatei, com o mosteiro e a igreja do Carmo no alto da ladeira

MACÁRIO

– Mas, como dizias, as mulheres…

SATÃ

– Debaixo do pano luzidio da mantilha, entre a renda do véu, com suas faces cor-de-rosa, olhos e cabelos pretos (e que olhos e que longos cabelos!) são bonitas. Demais, são beatas como uma bisavó; e sabem a arte moderna de entremear uma Ave-Maria com um namoro; e soltando uma conta do rosário lançar uma olhadela.

Detalhe de uma aquarela de Eduard Hildebrandt mostrando as mulheres paulistas, tanto criança quanto adulta, cobertas dos pés a cabeça, para sairem à rua. O desenho é de 1844

MACÁRIO

– Oh! a mantilha acetinada! os olhares de andaluza! e a tez fresca como uma rosa! os olhos negros, muito negros, entre o véu de seda dos cílios!.. Apertá-las ao seio com seus ais, seus suspiros, suas orações entrecortadas de soluços! Beijar-lhes o seio palpitante e a cruz que se agita no seu colo, apertar-lhes a cintura, e sufocar-lhes nos lábios uma oração… Deve ser delicioso!

SATÃ

– Tá! tá! tá… Que ladainha… parece que já estás enamorado, meu Dom Quixote, antes de ver as Dulcinéias!

MACÁRIO

– Que boa terra! É o Paraíso de Mafoma!

SATÃ

– Mas as moças poucas vezes tem bons dentes. A cidade colocada na montanha, envolta de várzeas relvosas, tem ladeiras íngremes e ruas péssimas. É raro o minuto em que não se esbarra a gente com um burro ou com um padre. Um médico que ali viveu e morreu deixou escrito numa obra inédita, que para sua desgraça o mundo não há-de ler, que a virgindade era uma ilusão. E contudo não há em parte alguma mulheres que tenham sido mais vezes virgens que ali.

MACÁRIO

– Têm-se-me contado muito bonitas histórias. Dizem na minha terra que aí, à noite, as moças procuram os mancebos, que lhes batem à porta, e na rua os puxam pelo capote Deve ser delicioso! Quanto a mim, quadra-me essa vida excelentemente; nem mais nem menos que um Sultão escolherei entre essas belezas vagabundas a mais bela. Aplicarei contudo o ecletismo ao amor. Hoje uma, amanhã outra: experimentarei todas as taças. A mais doce embriaguez é a que resulta da mistura dos vinhos.

SATÃ

– A única que tu ganharás será nojenta. Aquelas mulheres são repulsivas. O rosto é macio, os olhos lânguidos, o seio morno… Mas o corpo é imundo. Têm uma lepra que ocultam num sorriso. Bofarinheiras de infâmia dão em troco do gozo o veneno da sífilis. Antes amar uma lazarenta!

MACÁRIO

– És o diabo em pessoa. Para ti nada há bom. Pelo que vejo, na criação só há uma perfeição, a tua. Tudo o mais nada vale para ti. Substância da soberba, ris de tudo o mais embuçado no teu desdém. Há uma tradição, que quando Deus fez o homem, veio SATÃ; achou a criatura adormecida, apalpou-lhe o corpo: achou-o perfeito, e deitou aí as paixões.

SATÃ

– Essa história é uma mentira. O que Satã pôs aí foi o orgulho. E o que são vossas virtudes humanas senão a encarnação do orgulho?

MACÁRIO

– Oh! Ali vejo luzes ao longe. Uma montanha oculta no horizonte. Disséreis um pântano escuro cheio de fogos errantes. Por que paras o teu animal?

SATÃ
– Tenho uma casa aqui na entrada da cidade. Entrando à direita, defronte docemitério. Sturn, meu pajem, lá está preparando a ceia. Levanta-te sobre meus ombros: não vês naquele palácio uma luz correr uma por uma as janelas? Sentiram a minha chegada.

Chácara dos Ingleses, localizada próximo ao cemitério dos Aflitos, na entrada da cidade. Transformada em uma república de estudades, Alvares de Azevedo ai morou

MACÁRIO

– Que ruínas são estas? É uma igreja esquecida? A lua se levanta ao longe nas montanhas. Sua luz horizontal banha o vale, e branqueia os pardieiros escuros do convento. Não mora ali ninguém? Eu tinha desejo de correr aquela solidão.

SATÃ

– É uma propensão singular a do homem pelas ruínas. Devia ser um frade bem sombrio, ébrio de sua crença profunda, o Jesuíta que aí lançou nas montanhas a semente dessa cidade. Seria o acaso quem lhe pôs no caminho, à entrada mesmo, um cemitério à esquerda e umas ruínas à direita?

MACÁRIO

– Se quisesses, Satã, podíamos descer pelo despenhadeiro, e ir ter lá embaixo, enquanto Sturn prepara ceia.

SATÃ

– Não, Macário. Minha barriga está seca como a de um eremita; deves também ter fome. Molhar os pés no orvalho não deve ser bom para quem vem de viagem. Vamos cear. Daqui a pouco o luar estará claro e poderemos vir.

MACÁRIO

Fiat voluntas tua.

SATÃ

Amen! (…)

Onde morou a Marquesa de Santos em São Paulo?

“Estou com ideia dum romance histórico, Titila. Tenho de estudar o primeiro império para romancear historicamente a famosa marquesa do Pedro I. (…) A Titila titilava. Prendeu aquele garanhão durante oito anos”, escreveu Lobato para o seu amigo Godofredo Rangel em maio de 1923. Pena que o pai da Emília não chegou a escrever o livro. Por certo seria bastante saboroso, se mantivesse o tom picante da carta.

Não tenho a veleidade de dissecar o relacionamento de Domitila de Castro Canto e Mello, a Marquesa de Santos (1797-1867) com o nosso primeiro imperador, até porque muitos já o fizeram e nada melhor do que ler a correspondência trocada entre ela e D. Pedro I para se ter uma ideia da paixão entre ambos, a ponto de levar nosso primeiro imperador a assinar as cartas que lhe enviava como: “Seu demonão”, “Seu fogo, foguinho”, além de outros.

A vida da Marquesa de Santos já se prestou de enredo de livro a tema de minissérie, de música composta por Villa Lobos a ópera, mas se muito é lembrada por seu amor com o monarca brasileiro, pouco ou nada se diz a respeito de sua vida em São Paulo. Por isso comecei a realizar um levantamento, que agora apresento, sobre os locais onde Domitila, ou Titila, para os íntimos – que apesar das lendas foram poucos -, morou em São Paulo.

O pai de Domitila, João de Castro do Canto e Melo (1740-1826), chegou a São Paulo em 1772. Era militar e teve, até onde consegui descobrir, três residências. Uma, que até parece lenda e como tal é encarada pelo DPH, ainda está de pé. É a famosa Casa do Grito:

Localizada dentro do Parque da Independência, serviria de casa de campo da família. Tanto Alberto Rangel quanto Nuto Santana citam que a casa pertencia ao pai de Domitila e que a edificação foi bastante modificada, a ponto de se retirar uma água-furtada que existia. Mario de Andrade, em relatório de 1937, afirma que a casa havia sido muito mexida, inclusive com abertura de portas e janelas, sendo que da original, pouca coisa restava.

Domitila passou parte de sua juventude em um sobrado na rua do Ouvidor atual Rua José Bonifácio (não confundir com Ladeira do Ouvidor), e dava fundos para o Largo de São Francisco.

Dessa última morada, Titila saiu casada com o Alferes Felício Pinto Coelho de Mendonça (1789–1833), de mudança para Minas Gerais. Retornaram para São Paulo em meados da década de vinte do século retrasado. Domitila, separada, voltou para a casa paterna, que então localizava-se onde hoje está o bairro da Liberdade e era conhecida como Chácara dos Ingleses, apelido devido a um proprietário anterior, de nome João Rademaker.

Sobre essa construção, Affonso A. de Freitas diz: “(..) residência solarenga, sob o seu teto acachapado de arquitetura colonial, cupido travesso fez diabruras(…)”. Sim… fez mesmo… Segundo consta, nesse sobrado, mais tarde transformado em república estudantil onde moraram Álvares de Azevedo e Bernardo Guimarães, o futuro imperador do Brasil conheceu em 30 de agosto de 1822 aquela que dominaria seu coração e mente pelos próximos sete anos.

Chácara dos Ingleses, segundo concepção do pintor Pedro Alexandrino

Eis que, como tudo na vida, o amor acaba, e após ter morado na corte de 1823 até 1829 a ex-favorita é banida, por decreto, para abrir espaço à nova imperatriz do Brasil, Dona Amélia de Leuchtenberg, que ironicamente embarcou para o Brasil em agosto, exatos sete anos depois do começo do relacionamento entre Pedro I e Domitila de Castro. Com isso nossa Marquesa retorna a São Paulo, e aí vem o nosso segundo problema… Nuto Santana, Antonio Barreto do Amaral e outros afirmam que ela teria ido morar em uma chácara que adquiriu do casal João Antonio de Oliveira, por nove contos de réis. Essa chácara ficava próximo da Rua da Alegria (Av. Ipiranga), entre a Rua Triste (Av. Cásper Líbero) e a Rua do Bom Retiro (R. do Triunfo).

Segundo Alberto Rangel, ela foi morar na propriedade de Francisco Ignácio de Souza Queiroz. Esperamos um dia resolver essa dúvida.

Em 31 de maio de 1834, a Marquesa adquire o famoso imóvel da Rua do Carmo (atual Roberto Simonsen) conhecido durante anos como Palacete do Carmo, hoje chamado de Solar da Marquesa de Santos, onde funciona o Museu da Cidade de São Paulo. Ele foi comprado por onze contos de réis. Em 1880, vários anos após sua morte, a residência foi adquirida pela Cúria Metropolitana e serviu de palácio episcopal até a década de dez do século passado. Depois de diversos usos, foi encampada pela prefeitura.

A Marquesa, em seu exílio paulista, viveu durante vários anos com Rafael Tobias de Aguiar (1794-1857), líder da Revolução Liberal. Eles se casaram em Sorocaba em 1842, pouco antes dele fugir para o sul do país. devido ao fracasso da revolta. Tobias de Aguiar morou em um casarão entre a Rua Alegre (atual R. Tobias de Aguiar) e a Ladeira de Santa Efigênia (R. Santa Efigênia). Portanto, eis mais um local onde nossa Marquesa passou.

Palacete do Acu, também conhecido como Solar do Brigadeiro Tobias

No local funcionaram a Escola de Farmácia, a Pensão Suissa, o Conservatório Musical e uma seção da Faculdade de Medicina, até o prédio ser demolido, em 1925.

Por fim, mas não por último (ainda existem fazendas e outros locais a serem investigados), Domitila possuiu a Chácara da Figueira, que ela deveria conseguir avistar de seu Solar na Rua do Carmo (Atual Roberto Simonsen).

A chácara ficava do outro lado do Rio Tamanduateí e parte dela, após o desmembramento do terreno, foi adquirido pela Companhia de Gás, que ali instalou o Gasômetro. A Rua da Figueira e a Rua Maria Domitila são velhas lembranças da antiga chácara e sua proprietária.

Atualmente, a polêmica marquesa habita, desde 1867, um singelo túmulo de mármore branco, próximo da capela do Cemitério da Consolação, à qual destinou, em testamento, dinheiro para a compra das alfaias litúrgicas. Sempre pintado e florido, é guardado por um tristonho querubim apoiado em uma trombeta e exibe um medalhão com a foto de Domitila já em idade avançada. O tom curioso fica por conta de placas e bilhetes agradecendo graças alcançadas. Corre a lenda de que a ex-amante imperial, de onde quer que esteja, intercede por homens e mulheres em busca do amor.

Fontes utilizadas:
– Nuto Santana: São Paulo Histórico
– Afonso A. de Freitas: Tradições e Reminiscências Paulistanas
– Hernani Silva Bruno: História da Cidade de São Paulo.
– Alberto Rangel: Dom Pedro I e a Marquesa de Santos
– Antonio Barreto do Amaral: Dicionário de História de São Paulo
– Maria C. Naclério Homem: O Palacete Paulistano