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Os Segredos da Cripta, ou como uma arqueóloga obstinada, um escritor ansioso, um ex-segurança fortão e a Marquesa de Santos, ajudaram a resgatar o corpo da Imperatriz Amélia.

Creiam-me, o título quixotesco, inspirado nos do escritor e jornalista Laurentino Gomes, não descrevem nem um terço de todas as aventuras passadas dentro da Cripta Imperial!

Dizem que o desespero faz com que tomemos resoluções que racionalmente nem cogitaríamos. Desespero, aflição e, sobretudo, ansiedade foram os motores que me impulsionaram em 30 de junho de 2012 até o Cemitério da Consolação para levar flores ao túmulo da Marquesa de Santos.

Já havia terminado em maio a biografia da Domitila, que queria lançar em setembro durante as comemorações dos 190 anos da Independência. A minha editora, a Geração Editorial, pacientemente – mais do que eu, aliás – aguardava para poder lançá-la. O leitor deve estar perguntando: como assim? Aguardava o quê? E a resposta é: a Amélia.

Às vésperas do carnaval de 2012, eu estava encarregado de realizar uma permuta de publicações entre o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e o Museu da Cidade de São Paulo, cuja sede fica no Solar da Marquesa de Santos. Numa tarde, encontrei-me com a ex-diretora do Museu, Regina Pontes, que comentou comigo a respeito de uma arqueóloga que queria realizar um estudo a respeito dos restos mortais de d. Pedro I e das imperatrizes d. Leopoldina e d. Amélia, sepultados na cripta imperial, embaixo do Monumento da Independência, no Ipiranga.

Certa vez, o Maurício Ferreira, diretor do Museu Imperial, me contou um chiste que haviam dito a ele: “Museu é o seguinte: se cobrir, vira circo, se cercar, vira hospício”. Com base nisso, as minhas exclamações eram até justificadas: “Mais uma louca?”, “A família imperial autorizou?”. Calculando as toneladas de papel que seriam necessária para se obter as permissões para uma operação de tamanha magnitude, soube, pela Regina, para meu total espanto, que a “louca” em questão já estava autorizada por todas as instâncias e, para completar, havia montado uma equipe multidisciplinar de fazer inveja. A publicação do fechamento da Cripta para os trabalhos da arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel sairia no Diário Oficial do Município durante o carnaval.

Passado o impacto da notícia, me lembrei de alguns documentos sobre a morte de d. Leopoldina, como extratos de jornais da época de seu falecimento, que a querida amiga Mary Del Priore havia me enviado. Além disso, por uma dessas coincidências do destino, no mesmo dia em que soube da futura exumação, eu havia descoberto os documentos referentes ao traslado do corpo da imperatriz do Rio para São Paulo na década de 1950. Esse material, restrito à consulta, haveria de ser importante para a pesquisadora.

Contei isso tudo para a Regina e perguntei se ela poderia me colocar em contato com a arqueóloga para falarmos sobre o material. Na mesma hora, ela ligou para a Valdirene e fez a ponte. Assim tinha início a maior aventura da minha vida.

Primeiro, foi o convite para participar da exumação de D. Leopoldina, em 27 de fevereiro de 2012. Depois, a ajuda, inclusive envolvendo o Instituto Histórico e Geográfico e membros lusitanos da instituição, para a identificação das medalhas com as quais d. Pedro fora enterrado.

Para quem não tem a mínima ideia de como é a cripta, preciso destacar um detalhe: o projeto original só previa os sepulcros dos soberanos envolvidos no processo da independência, ou seja, d. Pedro e d. Leopoldina. A planta da cripta, em forma de cruz grega, tem, em cada um de seus braços um elemento. A entrada do espaço fica em um, diante da entrada fica o altar, do lado esquerdo o sarcófago de D. Pedro I e diante desse, no braço direito, o sarcófago de D. Leopoldina.

Se era “fácil”, tirando questões como peso e outros fatores, abrir as tumbas dos dois imperadores, ninguém tinha a mais pálida ideia de onde se encontrava o corpo de d. Amélia. A única pista era uma placa de granito gravada na parede que informava o nome dela e seus títulos, um deles errado. Onde haviam enfiado a mulher? Em qualquer ponto civilizado do planeta, haveria uma planta no órgão responsável pelo monumento indicando isso, menos em São Paulo…

Um serviço de georradar contratado realizou a varredura da parede onde estava a inscrição e verificou anomalias abaixo dessa pedra. A prefeitura impôs uma condição para que a placa pudesse ser quebrada: uma nova laje de granito verde (Ubatuba) deveria ser levada ao local para que técnicos do Departamento de Patrimônio Histórico a examinassem; se estivesse condizente com as especificações, podia-se descer o martelo, e a imperatriz emparedada finalmente veria a luz. Mas… sempre existe um mas… o custo total de R$ 3.000,00 para a compra e instalação dessa pedra foi a parte, digamos, mais fácil, apesar do susto do valor, que foi rateado em três cotas.

Aí começou a parte do circo e hospício. Chegaram as técnicas do DPH responsáveis pelo monumento para verificarem se a pedra comprada era semelhante à que seria destruída durante a busca por D. Amélia. Primeiro criticaram que não era totalmente igual (Olá? Dona… err… então, a natureza não cria duas pedras idênticas…), depois vieram com um discurso de que, quando o espaço museológico acima da cripta foi criado, “uma certa caixa ficou rodando por lá”, causando temor aos operários, que imaginavam que o receptáculo contivesse os restos mortais de alguém. Depois de mandarem os trabalhadores “rezarem um pai-nosso”, foi ordenado que a caixa fosse concretada no piso superior. Informação bastante válida, se a pedra de R$ 3.000 já não houvesse sido adquirida e devidamente esnobada por “não ser igual à outra”…

Valdirene resolveu literalmente pagar para ver: mandou quebrar o granito onde o georradar apontou as anomalias e encontrou: TERRA… Nada mais que terra… O georradar foi novamente utilizado, agora no local onde as técnicas do DPH informavam ter concretado alguma coisa que não tinham ideia do que seria. Apareceram duas anomalias. Uma delas realmente apontava para uma caixa de concreto medindo 70×70. Estaria ali d. Amélia?!?!

Mas havia algo errado nessa história toda. Em uma visita a Petrópolis, em junho, fiquei sabendo pelo Maurício Ferreira, história confirmada pela Neibe Machado, do arquivo histórico, que o antigo diretor da instituição, Lourenço Luiz Lacombe, esteve presente na exumação e no traslado da imperatriz d. Amélia na década de 1980 e relatou que o corpo dela se encontrava em perfeito estado de conservação, fato registrado em uma ata do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Como um corpo em perfeito estado havia sido acondicionado dentro de uma caixa de 70×70 cm? Esquartejaram a ex-imperatriz? Cremaram o corpo à revelia da família imperial? Dúvidas e mais dúvidas saltavam a cada informação desencontrada.

Nova consulta ao DPH, quebra, não quebra? As técnicas que haviam ido inicialmente à cripta, a essa altura, desapareceram. Uma teria ficado doente, segundo informações dadas, e a outra foi cuidar da uma. Quebra, não quebra? Consegue autorização ou não? Parecia que só as duas poderiam falar sobre o assunto, não se conseguia outro técnico, e minha ansiedade em modo 5… Nada de eu poder lançar a biografia da Domitila, que já dormitava havia quase três meses. Por conta de o trabalho da Valdirene estar correndo sob sigilo acadêmico, eu não podia falar a respeito da exumação de d. Leopoldina e das descobertas feitas antes que a arqueóloga defendesse o seu mestrado. Com isso, a biografia da Marquesa estava inexoravelmente amarrada a d. Amélia. Maldosamente, comecei a imaginar que a imperatriz continuava prejudicando a vida da Domitila 183 anos depois da expulsão da amante de d. Pedro da corte…

Meus nervos finalmente cederam, e eu resolvi apelar a todos os anjos e santos, e por que não à própria Marquesa de Santos? No seu túmulo, há placa agradecendo graças alcançadas, e, para o estabelecimento do mito da Marquesa, eu pesquisara e entrevistara pessoas que diziam ter conseguido milagres depois de apelarem à ex-amante do imperador. Mandando às favas qualquer escrúpulo, pensei que tinha uma barganha para fazer com a Marquesa. Se, por um lado, d. Amélia foi o fator principal de sua expulsão da corte e consequente exílio paulista, foi a mesma imperatriz quem criou a Duquesa de Goiás, filha de Domitila com d. Pedro, como se fosse sua própria filha e a fez se casar muito bem na alta nobreza alemã. Quem sabe a Marquesa de Todos os Santos e Demônios não se sentiria tocada com o arrazoado de seu biógrafo junto ao seu túmulo? Achei que deveria levar lírios brancos. Mas, obra do destino, parecia que lírios não haviam acordado para trabalhar no dia 30 de junho em São Paulo! Após a terceira parada, os achei, de cor laranja! Enfim, teriam de servir.

Cemitério da Consolação, lírios e orações feitas, volto para casa, recado na secretária eletrônica: era o Carlos Beutel, da Caminhada Noturna, me chamando para participar da caminhada do dia 12 de julho para falar sobre quem? Obviamente sobre a Marquesa de Santos. Convite aceito, nesse meio tempo, a Valdirene, ainda enfrentando mais uma semana de quebra-não-quebra, conseguiu o contato com Emanuel von Lauenstein Massarani, um dos responsáveis pelo traslado de d. Amélia de Portugal para o Brasil.

Conversando com o Massarani, Valdirene soube que o buraco aberto e a laje de granito quebrada podiam não ter sido em vão. Se a escavação avançasse mais para cima, haveria de se chegar aonde estaria o caixão. Acreditar no Massarani seria pôr em dúvida todas as informações prestadas pelo DPH até então, mas, na altura do campeonato, não havia por que não arriscar. Decidida, como sempre, Valdirene cavou e realmente encontrou algo que parecia ser uma laje de concreto, bem acima do buraco aberto na terra. Nesse meio tempo, o Carlos Beutel havia me ligado dizendo que o outro palestrante precisava trocar o dia, se eu me incomodava de transferir o passeio em que falaria sobre Domitila para o dia 19. Coincidência ou não, nesse dia, bem cedo, por volta das 7 da manhã, cheguei ao monumento do Ipiranga. Encontrei a Valdirene do lado de fora, e entramos junto com outros funcionários de uma empresa que a auxiliava. Começou a escavação e a remoção de mais terra. Realmente, era uma laje, e algumas paredes já se tornavam visíveis. Por volta das 11h, foi rompido um pedaço pequeno do concreto, de tamanho suficiente para uma microcâmera passar pelo buraco aberto.

A emoção tomou conta de todos os presentes ao vermos os primeiros detalhes do caixão de madeira no monitor da câmera digital que nos revelava o que havia por detrás do concreto. Nunca vou me esquecer da reação da Valdirene: “Nós achamos a Amélia”. Era ela a mestranda, foi ela que nunca desistiu de achar o caixão perdido. O caráter das pessoas se mede em momentos de grande emoção como esses, e ela, com aquela frase, deu prova de sua generosidade ao inserir todos os que estavam naquela cripta como agentes da sua descoberta.

O caixão, pelo que as imagens revelavam, estava intacto. Estávamos, dentro do buraco, embaixo do túmulo que havia sido feito para a ex-imperatriz.

O meu tempo já estava ficando curto, ainda tinha trabalho a fazer antes de me unir à Caminhada Noturna às 20h, em frente ao Teatro Municipal. Me despedi de todos e fui cuidar da vida, da melhor maneira que podia, afinal, não me saía da mente a “coincidência” de ter pedido “ajuda” para a Domitila para achar d. Amélia e, no dia em que ela foi achada, ter que palestrar sobre a Marquesa. E que palestra! Como foi duro me segurar durante mais de duas horas para não falar sobre o que eu havia vivenciado naquela manhã. E como e quanto falei! Por alguma razão, a caminhada descontrolou-se: ao invés de terminar às 22h, nesse horário estávamos ainda diante do Mosteiro de São Bento, em silêncio, ouvindo a música de seu maravilhoso carrilhão marcar a hora cheia. O passeio se estendeu por mais 45 minutos, e eu não me importando nem um pouco em falar sobre a Titília, ainda mais naquele dia tão especial e que entraria para a história.

Achado o sepulcro, o caixão precisava ser retirado do local para proceder à identificação do cadáver e aos demais exames da Valdirene e equipe. Achei que a empresa de restauro que estava assessorando a arqueóloga iria enviar um técnico para coordenar os trabalhos, o que não ocorreu, e, numa ligação em pleno domingo, fui intimado pela Valdirene, devido a minha formação em arquitetura, para comparecer à cripta às 7 horas da manhã de 23 de julho, segunda-feira.

Figura 1 Eu escorando o caixão, Célio próximo do caixão e Valter Muniz escorando a rampa por onde o caixão vinha deslizando.

Figura 1 Eu escorando o caixão, Célio próximo do caixão e Valter Muniz escorando a rampa por onde o caixão vinha deslizando.

            Figura 2 Momento em que colocamos o caixão da Imperatriz Amélia nos cavaletes armados diante do altar

Figura 2 Momento em que colocamos o caixão da Imperatriz Amélia nos cavaletes armados diante do altar

Os trabalhos se iniciaram realmente cedo. Um ajudante de obras, Célio Jr., se destacava. Bastante disposto e concentrado no trabalho que fazia e no que eu dizia, foi tirando lentamente as fileiras de blocos, rompendo a laje de concreto, sustentando o caixão com uma coluna de madeira, para que ele não despencasse na cabeça de ninguém. O trabalho foi lento, mas preciso. Não se devia quebrar nem de mais, nem de menos, tudo na medida certa, com calma, para não ocorrerem imprevistos e desabamentos. Somente após as 18h, já com boa parte do piso e das paredes da sepultura quebrados, demos início à retirada do caixão. Como aquilo pesava! Várias vezes, o hercúleo Célio foi obrigado a entrar novamente no buraco e erguer o ataúde nos ombros enquanto nós acertávamos a inclinação da tábua que o faria deslizar para fora. Houve momentos em que ficou evidente para todos que lá estavam que, se não fosse pela força de vontade desse funcionário e sua dedicação, d. Amélia sofreria muito mais para sair de dentro da parede. Finalmente, por volta das 20h, o caixão já estava do lado de fora, em cima de um cavalete, diante do altar e entre os túmulos de d. Pedro e d. Leopoldina. D. Amélia comemoraria seu aniversário de 200 anos, em 31 de julho, livre do emparedamento.

Óbvio que saímos de lá e fomos comemorar em uma padaria próxima ao monumento. Conversa vai, conversa vem, o Célio começou a falar espontaneamente da Domitila. Puxei-o pela língua, e a história toda fluiu. Ele contou que trabalhara em uma empresa de segurança (se alguém visse o tamanho dele, entenderia o porquê) que prestava serviço para a Prefeitura e estava lotado inicialmente no Solar da Marquesa de Santos. Começou a nos relatar sobre as coisas estranhas que lá ocorriam e do respeito que sentia pela ex-amante de d. Pedro, chegando até a dar bom dia para a grande dama quando o sol começava a raiar e seu turno chegava ao fim. Mas a cereja do bolo realmente foi a história que ele nos contou sobre uma estranha foto em que um vulto feminino – que alguém disse ser a Marquesa – apareceu do nada, refletido no vidro que protege um altar na exposição que acontece no Solar. Essa história não havia se espalhado, somente gente da administração e alguns funcionários do Solar sabiam dela, e eu a conhecia pois me repassaram a imagem. Pois bem, naquele exato momento, descobri que estava diante do autor da foto.

Devido à mudança de escala, ele foi enviado para fazer a segurança do monumento. Acabou se interessando e ajudando a Valdirene no início, até que soube que a empresa em que trabalhava não prestaria mais serviço à Prefeitura e conseguiu uma colocação na empresa de restauro que assessorava a arqueóloga.

Saí do convescote abismado. Não é que a Titília era boa mesmo? Não só a d. Amélia apareceu, mas ainda a Marquesa enviou ajuda para tirar a ex-imperatriz da parede!

Bem, a Valdirene, que eu achei que fosse louca no início desta história, devido a sua persistência e determinação inquebrantável, deu a São Paulo sua primeira múmia. A imperatriz d. Amélia foi tão bem embalsamada que está completamente intacta, inclusive com os órgãos internos preservados.

O que seria do mundo e da história sem os loucos? Fora que eles são muito mais divertidos e interessantes que os ditos “sãos”.

Agora, na cripta, só existe mais um segredo: o que será que concretaram no piso do espaço museológico? Alguns dos loucos acham que é uma marmita velha, outros, que se tratava da “pedra fundamental” do Monumento à Independência lançado no início dos anos 1920 e que bem poderia estar onde disseram que acharam a caixa… Seja lá o que for, acho que dessa vez nem com todos os lírios do mundo a Domitila vai ajudar a descobrir o que está lá.

Planta indicando a localização em que estava a Imperatriz Amélia

Planta indicando a localização em que estava a Imperatriz Amélia

Elevação 3d indicando a caixa de concreto onde se encontrava o ataúde de D. Amélia

Elevação 3d indicando a caixa de concreto onde se encontrava o ataúde de D. Amélia

Exibição do filme Independência ou morte + mesa redonda

A II Edição da “Sessão Pipoca” patrocinada pela São Paulo Antiga e pelo Museu dos Salesianos apresentará no dia 7 de setembro as 15h o filme “Independência ou Morte” no Teatro Grande Otelo em São Paulo. Após o filme haverá uma mesa redonda com a historiadora Viviane Tessitore, especialista na vida de D. Leopoldina, Cláudia Witte, biógrafa da Imperatriz D. Amélia, e Paulo Rezzutti, biógrafo da Marquesa de Santos.

Domitila, a verdadeira história da Marquesa de Santos

Meu novo livro acabou de sair da gráfica! Em breve nas melhores livrarias. Já em pré-venda na Livraria Saraiva, Livraria da Folha, Livraria Cultura, entre outras.

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São Paulo, Maçonaria e Independência do Brasil

A independência brasileira foi um processo histórico, ela não começou com o grito no Ipiranga. O grito, e até mesmo a estada de d. Pedro em São Paulo, são consequências de um movimento político e social de maior envergadura e que contou com a ajuda e o incentivo até da nascente Maçonaria brasileira.

Apesar de a cidade de São Paulo em 1822 possuir alguns maçons, eles não eram em número suficiente para formar uma Loja, diferente do Rio de Janeiro, que contava com a Loja Comercio e Arte desde junho de 1821. O fundador dessa loja, Joaquim Gonçalves Ledo, em eloquente discurso pronunciado em reunião do Grande Oriente do Brasil dirigido ao então Príncipe Regente, d. Pedro, em 20 de agosto de 1822, incitou-o, em nome da Maçonaria, a dissolver os laços que nos uniam a Portugal. Alguns meses antes, cientes de que sem o apoio de São Paulo e Minas Gerais não haveria independência, a Loja carioca enviara Paulo Barbosa para Minas e Pedro Dias para São Paulo, aonde chegou no início de dezembro de 1821, para medir os ânimos paulistas.

Em carta para José Clemente Pereira, José Joaquim da Rocha revela o que Pedro Dias descobriu em São Paulo:

“Pedro Dias tem parentes em Sao Paulo de muita influência, que são os Paes Leme, e disse que, apesar de saber que José Bonifácio não é partidário da nossa causa, por julgar que a Independência, nestes tempos, é a desunião do Brasil, promete, com a amizade de Martim Francsico por mim e com o grande prestígio desse Andrada sobre o irmão e sobre a Câmara de São Paulo, trazê-lo para o nosso lado e até, talvez, para a nossa Maçonaria.”

Quem poderia imaginar que o “Patriarca da Independência”, José Bonifácio, vacilou de início e quem o incitou à causa foi seu irmão Martim Francisco? Outro ponto interessante dessa carta é o fato de dizerem que Martim Francisco tinha influência na Câmara Paulista. Efetivamente tinha, mas a sua forma de governar, como secretário do Interior, acabou pondo muitos paulistas contra si, o que levou à Bernarda de Francisco Inácio, um levante que impediu o Andrada de assumir o governo da província e o mandou exilado para o Rio de Janeiro. Esse foi um dos motivos que levou d. Pedro a pegar a estrada e vir para São Paulo dar um basta nos focos de revolta contra os irmãos Andradas que ainda existiam por aqui e realizar novas eleições para o governo paulista. Nesse período, de agosto a setembro de 1822, quem governou São Paulo foi d. Pedro.

José Bonifácio, no Rio de Janeiro desde o início de 1822, acabaria sendo o primeiro Grão-Mestre da Maçonaria Brasileira, mas se voltaria contra Ledo e outros irmãos maçons logo após a proclamação de d. Pedro I no Ipiranga. As linhas políticas almejadas pelos irmãos Andradas e pelo grupo de Ledo e Clemente Pereira eram divergentes.

D. Pedro era jovem e, como d. Leopoldina afirma em uma das cartas para sua irmã Maria Luíza, ex-imperatriz dos franceses, afeito a ideias novas. Encantava-se com o desconhecido e assim foi levado para dentro da Maçonaria. Foi iniciado no início de agosto de 1822 e, em outubro, ordenaria o fechamento da Maçonaria e a prisão de alguns de seus líderes. No ano seguinte seria a vez de ordenar o fechamento do Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz, instituição paramaçônica criada por José Bonifácio no primeiro semestre de 1822. Assim como Ledo e diversos outros maçons, dessa vez foi a hora de os irmãos Andradas partirem para o exílio. A Maçonaria no Brasil só retornou após a abdicação de d. Pedro I, em abril de 1831. Nesse mesmo ano, em agosto, era criada na Província de São Paulo a primeira Loja, a Inteligência, de Porto Feliz, em agosto. Na cidade de São Paulo, a Maçonaria só estabeleceria uma Loja, a Amizade, em 13 de maio de 1832, exatos 56 anos antes da Abolição da Escravatura

 

Comemoração dos 190 anos da Independência do Brasil no Instiuto Histórico e Geográfico de São Paulo

O Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e a Universidade Federal de São Paulo convidam Vossa Excelencia e Excelentissima Familia para a Solenidade de Abertura do Ano de Portugal no Brasil e a Comemoração dos 190 Anos da Independencia do Brasil. O evento será realizado no dia 7 de setembro de 2012, sexta-feira, as 15 horas.
Rua Benjamin Constant, 158 – São Paulo.

Programação:

Abertura, Hino Nacional Brasileiro

Palavras da Presidente
Nelly Martins Ferreira Candeias

Inauguração da Sala de Artes Paulistanas
Maestro Samuel Kerr, Curador Cultural

Pronunciamento
Prof. Dr. José Luiz Gomes do Amaral UNIFESP

Assinatura do Protocolo de Cooperação Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo Universidade Federal de São Paulo

Posse de Correspondentes Internacionais:

José Augusto Pereira de Sotomayor Pizarro
José Vicente Pinheiro de Melo de Bragança
Lourenço de Figueiredo P. Correia de Matos
Rui Manuel de Figueiredo Marcos

Saudação aos novos membros
Kenneth Ligth

Palavras do Principe D. Gabriel de Orleans e Bragança

Mestre de Cerimonia
Pedro Paulo Penna Trindade

Picnic Vitoriano, uma volta ao passado.

Jogue a primeira pedra aquele que gosta de história e nunca se imaginou vivendo em outro tempo! Se a viagem para outros períodos ainda se encontra no campo da ficção científica, o Picnic Vitoriano permite se aproximar um pouco dessa experiência.

Fundado pelo escritor Rommel Werneck em 31 de julho de 2010, o evento é inspirado no grupo Picnic Vitoriano de Curitiba e nos eventos da fotógrafa belga Viona Ielegems. Recriando trajes, costumes e hábitos não só da Era Vitoriana, mas de um amplo espectro que vai do início da Idade Média até o final da Primeira Guerra Mundial, o grupo promoveu eventos como o Passeio Fotográfico no Parque da Independência e Chá das Cinco na casa de pães Maria Louca, em novembro de 2011, o Passeio Fotográfico na Estação da Luz durante a madrugada da Virada Cultural, em maio de 2012, e o II Picnic Vitoriano de São Paulo, em julho de 2012.

Os eventos, além do revivalismo artístico dos trajes, contam com exibição de esgrima renascentista, organizado pelo grupo Frater Pendragon, leitura de poesias, música erudita, além de ilusionismo, brincadeiras e jogos.

Esse clima de época poderá ser visto e vivenciado em 16 de setembro, durante as comemorações do aniversário do bairro do Ipiranga, quando o Picnic Vitoriano participará do desfile cívico organizado pela Associação Comercial de São Paulo, procurando reconstituir personagens e trajes do Primeiro Reinado em alusão aos 190 anos da Independência do Brasil.

Os interessados em participar devem enviar um e-mail para picnic_sp@yahoo.com.br.

Para mais informações sobre a customização de trajes e fotos dos eventos anteriores: www.picnicvitoriano.blogspot.com.

Auto da Independência, em comemoração aos 190 anos da Independência do Brasil.

No dia 02 de setembro (domingo), a Associação Comercial de São Paulo (ACSP) promove, no Parque da Independência, em São Paulo, o evento Auto da Independência, em comemoração aos 190 anos da Independência do Brasil.
Trata-se da primeira encenação teatral da Proclamação da Independência, ato em que D. Pedro I anunciou às margens do riacho do Ipiranga. As cenas históricas do último ato serão interpretadas pelos atores Murilo Rosa (D. Pedro I), Deborah Secco (Maria Leopoldina) e Renato Borghi (José Bonifácio Andrada e Silva). A direção é de Nelson Baskerville (Prêmio Shell 2012 como melhor diretor).
Com mais de 250 profissionais envolvidos, a festa de 190 anos da Proclamação da Independência terá ainda, ao longo do dia, apresentações de danças da época e músicas eruditas em vários locais do Parque da Independência.
                                   PROGRAMAÇÃO                                          
11:30 – Minueto – Coregraphie o arte para saber danzar todas as sortes de danzas (Esplanada do Museu)
11:45 – ATO I – Cortes Portuguesas (Esplanada do Museu)
12:00 – Ópera-Domitila (Esplanada do Museu-Coreto Leste Praça das Bandeiras)         
12:15 – ATO II – Maria Leopoldina (Coreto Leste Praça das Bandeiras)  
12:30 – Música da Independência-por Rosana Lanzelotte no pianoforte (Coreto Oeste Praça das Bandeiras)
12:45 – ATO IIIJosé Bonifácio (Coreto Oeste Praça das Bandeiras)
13:00 – Lundu (Praça das Bandeiras)    
13:15 – ATO I (Cortes Portuguesas-Esplanada do Museu)           
13:30 – Minueto – Coregraphie o arte para saber danzar todas as sortes de danzas (Esplanada do Museu)
13:45 – ATO II – Maria Leopoldina (Coreto Leste Praça das Bandeiras)
14:00 – Música da Independência – por Rosana Lanzelotte no pianoforte (Coreto Oeste Praça das Bandeiras)
14:15 – ATO IIIJosé Bonifácio (Coreto Oeste Praça das Bandeiras)
14:30 – Lundu – (Praça das Bandeiras)
14:45 – ATO ICortes Portuguesas(Esplanada do Museu)     
15:00 – Minueto – Coregraphie o arte para saber danzar todas as sortes de danzas (Esplanada do Museu)
15:15 – Ópera-Domitila(Esplanada do Museu)            
15:30 – ATO II – Maria Leopoldina-Coreto Leste Praça das Bandeiras
15:45 – Música da Independência – por Rosana Lanzelotte no piano forte
16:00 – ATO IIIJosé Bonifácio(Coreto Oeste Praça das Bandeiras)
16:15 – Lundu(Praça das Bandeiras)
16:30 – Cortejo da independência (Alameda Principal)
17:00 – Ato Final – Auto da Independência (Monumento à Independência do Brasil) – com a participação de Murilo Rosa, Deborah Secco e Renato Borghi

A Marquesa de Santos e o Teatro Brasileiro – Uma palha da biografia

Em 1824, o imperador D. Pedro I decretou o fechamento do Teatrinho Constitucional São Pedro, no Rio de Janeiro. Os mexericos da época davam o motivo: os proprietários teriam impedido que uma certa senhora entrasse. A história não guardou o nome de quem a barrou, mas de Domitila de Castro, a futura marquesa de Santos, todos já ouviram falar. E esta nunca deixaria o teatro brasileiro.

Domitila entrou para o imaginário popular devido ao seu relacionamento com d. Pedro. Conheceram-se em São Paulo, em agosto de 1822, pouco antes de o jovem dissolver os laços políticos que nos uniam a Portugal. Ela, divorciada do primeiro marido; ele, casado há cinco anos com a arquiduquesa Leopoldina.

A crônica da época nos revela que, na noite de 7 de setembro, após o evento no Ipiranga, a cidade vestiu-se de gala e foi saudar d. Pedro no Teatro da Ópera, no Pátio do Colégio. Houve a apresentação da peça O Convidado de Pedra, de Tirso de Molina, sobre o célebre amante Don Juan, imortalizado por Mozart na ópera “Don Giovanni”. Nela, Leporello, servo do sedutor, conta que seu mestre tinha, só na Espanha, “mille i tre” amantes. D. Pedro, que assinava suas cartas para Domitila como “Demonão”, ficaria tão famoso quanto Don Juan pela quantidade de amantes, reais e atribuídas. Segundo alguns relatos, ele não ficou até o final da peça. Teria saído mais cedo para se encontrar com sua Titília, com quem tinha iniciado um relacionamento em 29 de agosto de 1822.

Quando Domitila foi morar no Rio de Janeiro, em 1823, a convite do já imperador d. Pedro I, o teatro ainda continuaria sendo, por muito tempo, palco de encontros entre ambos.

O comerciante inglês John Armitage deixou registrado o incidente ocorrido em setembro de 1824, quando Domitila foi impedida de entrar no Teatrinho Constitucional sob a alegação de que, por ser uma sociedade particular, somente era permitido o comparecimento de estranhos com convites especiais, que ela não possuía. Ao saber do incidente, o imperador, presente ao evento, retirou-se. Em 22 desse mês, d. Pedro, amparado pela lei que punia sociedades secretas e usando do pretexto de que o grupo teatral não havia submetido seus estatutos ao governo, ordenou que fechassem o teatro. Os artistas foram despejados, e seus trajes e cenários alimentaram uma enorme fogueira. Curioso com a cena, Armitage descobriu que o incidente devia-se à “Nova Castro”, uma referência zombeteira ao romance entre d. Pedro I de Portugal e Inês de Castro, que foi rainha depois de morta. Nome também de uma peça então em moda.

Durante os sete anos em que o relacionamento se desenvolveu, cheio de altos e baixos, ataques de ciúmes e juras de amor, o Imperial Teatro São Pedro de Alcântara, onde hoje se ergue o teatro João Caetano, no centro do Rio de Janeiro, foi um dos cenários onde era possível encontrar socialmente Domitila e d. Pedro sob o mesmo teto. Ele no camarote imperial, e ela, em outro presenteado por ele.

As cartas trocadas entre d. Pedro e Domitila mostram, por exemplo, que ambos eram fãs de peças:

“Como tu tens estado sem ires (e por mui justo motivo) ao Teatro, e tendo nós muito apetite de assistirmos à Comédia Francesa, e podendo-o não ir eu hoje ao Teatro, e ir depois de amanhã parecer combinação entre nós (…)” 13/12/1827

Em outra mensagem, o imperador ilustra bem como se dava o flerte, não apenas entre ele e sua amante, mas na sociedade em geral, pela “linguagem das flores”. Por esse código, que os viajantes ingleses já haviam notado na Turquia e que os franceses acabaram por disseminar pela Europa, era possível conversar sem palavras e a distância. Não só cada flor tinha um significado como o modo de ofertar e receber eram carregados de simbolismo.

“(…) Remeto-te como em sinal de paz esses lírios brancos (…). Eu muito estimarei que eles sejam por ti recebidos, conhecendo ao mesmo tempo que o amor por ti é que me compele a oferecer-tos. (…) Peço-te que pelo menos um dos lírios goze do teu calor no teatro.” 21/6/1829

No mesmo ano, d. Pedro baniria Domitila para São Paulo, grávida. Era necessário para demonstrar publicamente sua regeneração moral. A dificuldade dos emissários brasileiros em conseguir uma nova esposa para d. Pedro, após a morte da imperatriz Leopoldina, calou fundo no monarca, que, ao se ver casado com uma jovem princesa alemã de 16 anos, tomou todas as providências cabíveis para se livrar da amante.

De volta à provinciana São Paulo, a marquesa manteve os hábitos da corte. Adorava saraus e não perdia representações teatrais. Altiva, não se deixou abater quando um boato deu conta que uma trupe de atores amadores, formada por estudantes da Faculdade de Direito, iria lhe fazer uma sátira. Compareceu ao teatro, e a sátira não se realizou.

Domitila faleceu em São Paulo em 3 de novembro de 1867, perto de completar 70 anos. Deixou vasta descendência e uma fama tão grande e com tantos matizes que só poderia ter sido produzida por uma figura ímpar.

Monteiro Lobato, em maio de 1923, durante os festejos do centenário da independência, confidenciava ao seu amigo Godofredo Rangel:

“Estou com ideia dum romance histórico, Titila. Tenho de estudar o primeiro império para romancear historicamente a famosa marquesa do Pedro I. (…) A Titila titilava. Prendeu aquele garanhão durante oito anos”.

Desse romance projetado por Lobato não houve mais notícia até as pesquisas realizadas para a biografia Domitila, a Verdadeira História da Marquesa de Santos. O jornal paulista Folha da Noite de 21/11/1923 dá uma pista:

“Uma peça de Monteiro Lobato – A Oduvaldo Viana, diretor da Companhia Abigail Maia, o ilustre escritor Monteiro Lobato acaba de fazer a entrega dos originais da peça de época ‘A Marquesa de Santos’, que vai ser posta em cena com rigorosa montagem, no início da temporada.”

Infelizmente, essa peça nunca foi levada aos palcos. Não existe nenhuma outra notícia a respeito dela, e até o momento, nos acervos de Lobato e de Viana, nada sobre o assunto surgiu. Teria o pai da Emília “plantado” a notícia para ver a reação do público? O interessante sobre essa história é que Oduvaldo, mais tarde, representaria diversas vezes d. Pedro I, tanto em A Marquesa de Santos, de Viriato Correa, quanto em O Imperador Galante de Raimundo Magalhães Jr.

Em 4 de março de 1938, estreava em São Paulo a peça de Viriato Correa, que incluía três composições do maestro Heitor Villa Lobos: “Gavota-Choro”, “Valsinha Brasileira” e o famoso “Lundu da Marquesa de Santos”, que, sendo originariamente cantado por d. Pedro, hoje faz parte do repertório de sopranos. Domitila era representada pela atriz Dulcina de Moraes. Apresentada no Rio de Janeiro em 30 de março do mesmo ano, a peça contou com os atores Zilka Salaberry, como a imperatriz Leopoldina, Dercy Gonçalves, como uma aia na versão carioca, e Manoel Pêra, pai da atriz Marília Pêra, como Chalaça.

Montada com subsídio governamental, encaixava-se na política do Estado Novo de exaltação dos heróis nacionais. Domitila foi usada para, literalmente, endeusar d. Pedro I, como bem ilustra uma de suas falas ao relembrar o 7 de setembro: “[O imperador] não parecia criatura igual às outras criaturas. O sol caía-lhe em cima inteirinho e ele estava todo coberto de sol, todo dourado como figura sobrenatural. Como um deus!”. O público pôde, nessa peça, conhecer uma marquesa amorosa, ansiosa por atenção exclusiva, não poder ou negociatas. Titília, pronta a realizar o maior dos sacrifícios, resolve abandonar o imperador para salvar a honra do Brasil no exterior. O amor dela serviu de mote para apresentarem o herói da independência pronto para o consumo popular, em grandioso cenário e riquíssimo guarda-roupa.

Durante as comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo, em 1954, foi posta em cartaz a peça O Imperador Galante, que havia estreado um ano antes no Rio de Janeiro. Escrita na década de 1940, foi levada ao palco com Oduvaldo e Dulcina novamente nos papéis principais. O ator Carlos Zara estreou profissionalmente nessa montagem. O Imperador Galante não ficou atrás do “tom” da obra de Viriato Correa. Segundo o crítico Décio de Almeida Prado, ela conseguira cumprir a missão de “encher o coração do público de ardor patriótico ou sentimental e os seus olhos de assombro e encantamento pela riqueza e pompa do espetáculo, obrigatório em tais evocações do passado”. (17/3/1954)

Sete anos depois, em 1961, desembarcavam no Rio de Janeiro os produtores norte-americanos Deed Meyer e Stuart Bishop, que pretendiam levar para a Broadway essa história de amor com o nome The Petticoat Prince. Bishop havia recebido de presente da cantora Barbara Ashley o livro Amazon Throne, de Bertita Harding, publicado no Brasil sob o título de O Trono do Amazonas: a história dos Braganças no Brasil, uma grande colagem de fofocas e mexericos históricos. Entretanto esse folhetim, que por pouco não virou outra peça da Broadway musicada por Ary Barroso em 1941, despertou o interesse dos produtores. Eles vieram fotografar e tirar as medidas do Palacete do Caminho Novo, antiga residência de Domitila no Rio de Janeiro, para convertê-lo em luxuoso cenário, que nunca saiu do papel.

Não foram apenas os norte-americanos que projetaram uma peça sobre Domitila que não estreou. Diversas outras Marquesas de Santos tiveram a mesma sina. Luís Edmundo publicou a sua em 1924. Premiada pela Academia Brasileira de Letras, nunca foi montada. A obra de Luiz Carlos Barbosa Lessa teve o mesmo fim. Escrita para as comemorações dos 150 anos da Independência em 1972, também não foi levada à cena. Ainda temos o caso ocorrido este ano, quando, a um mês da estreia, Lírios Brancos para a Marquesa, de Beth Araújo, foi subitamente cancelada pelo fechamento do Museu do Primeiro Reinado. O prédio, antigo palacete da marquesa de Santos, onde a peça seria encenada, será ocupado pelo Museu da Moda.

Durante as comemorações do sesquicentenário da independência, um d. Pedro I mais humano, e ainda apaixonado pela sua Titília, surgiu na peça Um Grito de Liberdade, de Sérgio Viotti. A montagem tinha Antônio Fagundes como d. Pedro, Ana Maria Dias como a imperatriz Leopoldina e Nize Silva interpretando a marquesa de Santos. Estreada em São Paulo em 24 de outubro de 1972, contava também com os autores Ruthineia de Moraes, Elias Gleizer, Zezé Mota, Tony Ramos e Marcelo Picchi. O tom político da peça dialoga com o Brasil da época da ditadura. Segundo o diretor Osmar Rodrigues Cruz: “Tentamos mostrar um homem comum e falível, suas relações humanas e as implicações políticas resultantes do caráter autoritário e da sede de poder deste imperador que preferia dissolver a Assembleia Constituinte a ter que admitir suas falhas e o cunho ditatorial de seu governo”.

Em 2000 colocaram Titília para cantar seu amor na ópera de câmara “Domitila”. Estreada no Rio de Janeiro, com música e libreto do compositor carioca João Guilherme Ripper, uma soprano, acompanhada por clarineta, violoncelo e piano, cantou as cartas recebidas de seu imperial amante. Contemplada com o Prêmio Circuito Funarte de Música Clássica em 2010, foi reencenada em Porto Alegre, Joinville, Cuiabá, Campo Grande e Dourados. No papel de Domitila a Soprano Maíra Lautert. A direção musical ficou a cargo de Priscila Bomfim e a direção cênica de Luiz Kleber Queiroz.

Uma das últimas peças a entrar em cartaz tendo Domitila como personagem foi escrita por Ênio Gonçalves. Pedro e Domitila estreou em 1984, tendo o autor como d. Pedro I e Taya Perez como a marquesa. A direção ficou a cargo de Mario Masetti. Com modificações finais no texto e o acréscimo de um casal de escravos que auxiliam na narrativa, teve sua última montagem profissional, dirigida pelo autor, em 2008.

Será que, com esse currículo, alguma sociedade artística teria coragem de expulsar Titília de seu teatro nos dias de hoje?

Paulo Rezzutti

Texto publicado na Revista da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais – SBAT em dezembro de 2011

São Paulo em 1822, ou o que o Demonão viu além das curvas de Titília

Dom Pedro e sua comitiva entraram por São Paulo pelo melhor caminho que existia na época para apreciar devidamente a cidade. Depois de passar a colina da Penha, uma outra, mais ao longe, ostentava as torres de oito igrejas, dois conventos e três mosteiros. Passando pela Várzea do Carmo, um verdadeiro pântano onde hoje encontra-se o Parque D. Pedro II, Pedro I subiu a atual Rangel Pestana em direção ao então núcleo urbano da cidade, desenvolvido ao redor do Colégio dos Jesuitas e confinado entre os rios Anhangabaú e Tamanduateí. O que Dom Pedro viu? Além das curvas de sua Titília?

Uma das primeiras coisas que D. Pedro deve ter notado foi a taipa paulista. Diferente dos nossos atuais arranha-céus, a morada paulista da época era feita de barro, socado com o pilão ou espalmado em treliças de madeira. As casas eram pintadas com uma espécie de cal, tirado da região da ladeira da Tabatinguera, o “Barro Branco” que dava o nome indígena ao local. Raras eram as casas de pedra ou tijolos. As construções eram, geralmente, de dois andares, dotadas de balcões onde os paulista “tomavam a fresca”, de manhã e de noite, onde assistiam às passagens das procissões, que não eram poucas. Aliás, o povo paulista era bastante devoto: a cidade inteira parava para rezar o terço à hora da Ave-Maria. Em 1822 existiam três oratórios públicos, um deles nos famosos “Quatro Cantos”, a antiga encruzilhada formada pela Rua Direita e a Rua de São Bento. Alguém que conhece a Pauliceia consegue imaginar parte da população ajoelhada lá, às 18h, em pleno horário atual de “rush”? Pois na época isso ocorria: a multidão tomava toda a calçada e parte da largura da rua, onde rezavam por 25 minutos. Atropelamentos não existiam, afinal, só havia um coche na cidade inteira em 1822, o do Bispo de São Paulo. Os outros meios de transporte eram as cadeirinhas, onde escravos faziam o papel de motor, e os milenares carros de boi com seu gemer característico.

O povo paulista abastecia-se de água em fontes, geralmente próximas das igrejas, que, pela época da vinda de D. Pedro I, deviam estar, como aconteceria por mais cinquenta anos até a implantação da Companhia Cantareira, secas.

Quando os paulistas não estavam rezando ou procurando água, poderiam ser encontrados matando tempo jogando em família a bisca, a douradinha e o “vive l´amour”; exercitando suas primeiras tacadas no bilhar do Antonio José Pereira dos Santos, na rua do Comércio; trocando dedos de prosa na Botica do Lúcio ou na do Mota, tio do futuro poeta Alvares de Azevedo, que tão bem deixou ilustrado em “Macário” o hábito paulista de comer couves cozidas. Falando em comida, não podia faltar na mesa do paulista a excelente mostarda que vinha da fazenda dos padres beneditinos em São Bernardo. Também o doce de figo, um dos maiores quitutes da cozinha paulista, estava sempre presente.

Jornal só existiria no próximo ano, em 1823. Escrito a mão, servia cinco assinantes. Era confeccionado pelo “Mestrinho”, apelido do genial Antonio Mariano de Azevedo Marques, que, com onze anos, lecionava latim na Sé.

Além das prosas, o paulista também tinha diversões noturnas, como bailes, sendo os mais concorridos o do Palácio do Governo, então localizado no Pátio do Colégio após a desapropriação dos bens dos jesuítas. A vinte passos da sede do governo ficava o teatro em que D. Pedro, com a sociedade paulista, comemorou na noite de 7 de setembro de 1822  o “Grito” que deu no Ipiranga, sendo aclamado pelo padre Idelfonso Xavier o “Primeiro Rei do Brasil”. Na época, a sociedade teatral começava a se organizar. Os escravos e prostitutas colocados no palco anteriormente, já davam lugar a artistas mais experientes. Sim, eu falei em prostitutas; se é a mais antiga das profissões, não podia deixar de falar sobre as que a praticavam na São Paulo de Piratininga.

As prostitutas paulistas do começo dos 1800 seriam virgens nos dias de hoje! Elas só apareciam à noite atrás de tropeiros. Cobertas por amplos capotes de lã, deixavam somente parte do rosto à mostra. Vindas, geralmente, de muito longe, davam um toque oriental à noite paulista mal iluminada. O viajante francês Saint-Hilaire afirmava que elas passeavam lentamente pelos caminhos ermos da cidade, jamais abordando ninguém. Não conversavam nem entre elas, e Saint-Hilaire atestava que nada tinham do cinismo e descaramento das suas colegas de profissão francesas.

A peça que foi apresentada à D. Pedro na noite de 7 de setembro de 1822 no teatro, e que ele não ficou até o fim para assitir, chamava-se “O Cavaleiro de Pedra”, uma história a respeito do célebre amante Don Juan. A peça foi imortalizada por Mozart na ópera “Dom Giovani”, na qual Leporello, empregado de Giovanni, conta que seu mestre tinha, só na Espanha, “Mille e Tre” amantes. D. Pedro, que ficaria famoso pelas suas, sendo a mais famosa a nossa Titília, tinha bem mais o que fazer naquela noite além de ouvir sobre o caso amoroso dos outros. Segundo alguns relatos, tinha pressa em ver Domitila, com quem já tinha “ficado” em 29 de agosto, dias depois de ter entrado na cidade.

Do Palácio, no Pátio do Colégio, ele governou São Paulo por 15 dias, apaziguou os ânimos políticos dos bernardistas x andradistas, convocou novas eleições. Mas o que levou mesmo daqui foi a lembrança de um grande amor que duraria sete longos e escandalosos anos. Como não assistiu a peça até o final, não aprendeu o mais importante segredo de Don Juan: nunca se apaixonar por suas amantes.

12 de outubro

Tive um professor de urbanismo que me deixou uma marca indelével. Não somente por ter se fantasiado de Carmem Miranda em um baile de máscaras, mas por ter-nos levado a passear diversas vezes pelo centro de São Paulo, contando sobre a história de determinados edifícios e a respeito da evolução urbana da área central.

Lembro-me de uma vez especificamente, no começo dos anos noventa. Estávamos andando pela rua 24 de Maio, na República, apreciando um projeto de Niemeyer, quando começou a juntar uma muldião atrás da classe. As pessoas paravam, movidas por algum princípio pavloviano, e ficavam olhando para cima, como nós. Mas, diferente dos alunos de arquitetura, os transeuntes buscavam enxergar ou um princípio de incêndio, ou algum candidato a suícida. Em determinado momento, um pedestre apressado perguntou passando por nós: “O que vocês estão buscando?”, no que uma colega brincalhona respondeu: “O corpo do Dr. Ulisses”. Ulisses Guimarães, o senador Severo Gomes, suas respectivas esposas e o piloto do helicóptero que os transportava em Angra dos Reis faleceram em um acidente aéreo em 12 de outubro de 1992. O corpo de Ulisses foi o único a não ser encontrado. A ninfa marinha Ino deve ter chegado tarde para ajudá-lo contra Poseidon…


D. Pedro I - Esboço de Domingo António de Sequeira para a litografia: Juramento da Constituição

A proximidade desta data trouxe à lembrança duas outras. O dia 12 de outubro não é apenas Dia da Criança ou de Nossa Senhora Aparecida, e por consequência feriado nacional. É também a data do aniversário de d. Pedro I, que tão intimamente está ligado à história de São Paulo por ter posto o arrabalde do Ipiranga no mapa. Também existe outra efeméride a ser comemorada e essa mais provinciana, mais pequena, porém não medíocre. Em 12 de outubro de 1814 foi inaugurado o Obelisco da Memória, que se encontra no mesmo lugar há quase duzentos anos. Quem desce no metrô Anhangabaú e sobe as escadas rolantes para chegar até a rua Xavier de Toledo tem ele a sua esquerda, no Largo da Memória. Esse obelisco, ou, como chamavam os antigas paulistas, essa “Pirâmide do Piques”, tão acanhada, suja e pichada, é o primeiro monumento urbano da cidade de São Paulo. Para quem não é paulista pode parecer uma enorme bobagem, mas encontrar vestígios do passado na “cidade que não pode parar” é uma glória – estou falando de vestígios originais, não daquela farsa cenográfica que conhecemos por Páteo do Colégio, mas isso já é tema de outro post.

Foto de Militão Augusto de Azevedo

O Obelisco do Piques foi projetado pelo engenheiro militar Daniel Pedro Müller e executado pelo Mestre Vicentinho. O local assinalava uma das portas de entrada da cidade. Os tropeiros vindos de Sorocaba passavam por lá e comercializavam seus gêneros para os atacadistas da região. No local funcionava o que podemos, a grosso modo, chamar de o primeiro centro de abastacimento da capital paulista. Também por ali transitavam os viajantes rumando para o centro da cidade, cruzando a ponte do Piques sobre o rio Anhangabaú. Saint-Hilaire deixou-nos diversas impressões sobre o local alguns anos depois da inauguração: gostou da fonte, que não existe mais, e do obelisco, e detestou a pousada do tal português Bexiga, que ficava na região e que teria contribuído para dar nome ao bairro.

Após um longo e tenebroso inverno, estou tentando voltar. Histórias para contar é o que não faltam, afinal, uma cidade com mais de quatrocentos anos produziu-as aos milhares. O problema é o tempo para se dedicar a isso! Mas vou tentar não deixar o blog tão abandonado.