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Uma história de São Paulo

primeira missa oscar pereira da silvaA Fundação de São Paulo por Oscar Pereira da Silva – Coleção Museu Paulista da USP

Por Edison Loureiro

Vamos voltar por instantes ao ano de 1553 quando o padre Manuel da Nóbrega, vindo de São Vicente, visitou a colina conhecida como Inhapuambuçu, que em tupi é morro que se vê ao longe. Tinha a companhia de André Ramalho, filho de João Ramalho, o padre Manuel de Paiva e o noviço Antônio Rodrigues.

Ao norte da colina, lá pelas bandas do rio Anhembi, atual Tietê, vivia o cacique Tibiriçá, sogro de João Ramalho. Ao sul, na região que seria futuramente Santo Amaro, às margens do rio Jeribatiba, ou Jurubatuba o Índio Caiubi, irmão de Tibiriçá. Era uma região cruzada por dois caminhos utilizados pelos nativos, um era o caminho de Piratininga propriamente dito ligando as duas aldeias e que seguia aproximadamente pela atual Rua Álvares Penteado e o outro era o Caminho do Sertão, que alguns identificam com o lendário Peabiru. Este seguia a direção oeste  aproximadamente onde hoje fica a Rua Direita e a José Bonifácio. Conforme as histórias, seguindo por aí se chegava ao Paraguai e toda a América espanhola recheada de ouro e prata. De cada lado da colina do Inhapuambuçu um rio, o Tamanduateí a leste e o Anhangabaú a oeste. Ao norte o Tamanduateí engolia o Anhangabaú para logo adiante desaguar no Anhembi.

Pareceu a Manuel da Nóbrega o local ideal para sua missão. Uma colina cercada por dois rios, com mais segurança contra ataques e acesso mais fácil aos mantimentos que poderiam ser providenciados pelos indígenas. O Tamanduateí, além de fornecer água em abundância, seria uma excelente via de comunicação com outros locais. Ali poderia ser instalado o colégio onde os nativos poderiam ser catequizados longe da influência e interferência de portugueses.

De volta a São Vicente, Nóbrega envia à Bahia o padre Leonardo Nunes em busca de mais colaboradores. No grupo que retorna encontra-se o jovem noviço José da Anchieta, então com 19 anos.

Anchieta chegou a São Vicente em dezembro de 1553 e no mês seguinte Manuel da Nóbrega encabeçou a expedição ao planalto de Piratininga para dar início ao que seria o colégio dos jesuítas no planalto.

Estamos falando aqui em subir e descer a Serra do Mar com muita simplicidade, mas vamos deixar claro que se tratava de vencer uma altura de quase 800 metros apenas utilizando uma trilha de índios. Era preciso cruzar riachos, segurar em galhos e desviar de desfiladeiros.

Anchieta nos conta em uma de suas preciosas cartas “… que é caminho mui áspero e segundo creio o pior que há no mundo, dos atoladeiros, subidas e montes, o escolheram a ele como o mais rijo…”. Portanto amigo, quando encontrar algumas imperfeições nas estradas que vão ao litoral, console-se pensando no antigo padre e seus contemporâneos.

Piratininga designa peixe seco em tupi e era o nome que os sertanistas davam à região do rio Tamanduateí referindo-se aos peixes que ficavam ao sol quando a várzea secava. Dizem que os peixes secos atraíam formigas que por sua vez alimentavam os tamanduás, daí o nome Tamanduateí, rio do tamanduá. Mas alguns comentam que isto é apenas uma história pitoresca contada por Ruy Mesquita Filho no livro São Paulo de Piratininga; de pouso de tropas a metrópole. Existem historiadores que alegam que o nome Piratininga referia-se ao próprio rio Tamanduateí e ainda há aqueles que acham que deveria existir outro rio com o nome de Piratininga. De qualquer forma toda a região acabou conhecida como Campos de Piratininga, o que nos dá uma ideia do tipo de vegetação que existia por aqui.

O grupo chegou ao planalto do Inhapuambuçu no dia 25 de janeiro de 1554, quando foi rezada a missa numa cabana de pau a pique construída pelos índios do cacique Tibiriçá onde hoje está o Páteo do Colégio. Como era o dia em que se comemora a conversão de São Paulo, a casa foi dedicada a ele e o colégio levou o seu nome.

A cabana original tinha um só cômodo de “quatorze passos de comprimento e apenas dez de largura”, e provavelmente já existia há algum tempo, pois Anchieta diz na carta em que relata o quadrimestre de maio a setembro de 1554 que era “paupérrima e antiquíssima”.

Após a chegada dos jesuítas, Tibiriçá desloca sua tribo para perto da futura vila e vai viver onde seria o futuro Largo de São Bento. Caiuibi instala-se na parte sul perto do que seria hoje a região da Tabatinguera. Fica assim protegida a futura vila de São Paulo de Piratininga.

Aquela cabana serviu de capela, colégio e moradia para os jesuítas até 1556, quando o padre Afonso Brás a reformou e ampliou com a construção de oito cômodos para acomodação dos jesuítas além de construir uma capela nova dedicada a Bom Jesus que foi inaugurada em 1º de novembro daquele ano. Umas 130 pessoas viviam no local. Esta era, portanto, a população “urbana” daquela pequena povoação que um dia seria a cidade de São Paulo.

12 de outubro

Tive um professor de urbanismo que me deixou uma marca indelével. Não somente por ter se fantasiado de Carmem Miranda em um baile de máscaras, mas por ter-nos levado a passear diversas vezes pelo centro de São Paulo, contando sobre a história de determinados edifícios e a respeito da evolução urbana da área central.

Lembro-me de uma vez especificamente, no começo dos anos noventa. Estávamos andando pela rua 24 de Maio, na República, apreciando um projeto de Niemeyer, quando começou a juntar uma muldião atrás da classe. As pessoas paravam, movidas por algum princípio pavloviano, e ficavam olhando para cima, como nós. Mas, diferente dos alunos de arquitetura, os transeuntes buscavam enxergar ou um princípio de incêndio, ou algum candidato a suícida. Em determinado momento, um pedestre apressado perguntou passando por nós: “O que vocês estão buscando?”, no que uma colega brincalhona respondeu: “O corpo do Dr. Ulisses”. Ulisses Guimarães, o senador Severo Gomes, suas respectivas esposas e o piloto do helicóptero que os transportava em Angra dos Reis faleceram em um acidente aéreo em 12 de outubro de 1992. O corpo de Ulisses foi o único a não ser encontrado. A ninfa marinha Ino deve ter chegado tarde para ajudá-lo contra Poseidon…


D. Pedro I - Esboço de Domingo António de Sequeira para a litografia: Juramento da Constituição

A proximidade desta data trouxe à lembrança duas outras. O dia 12 de outubro não é apenas Dia da Criança ou de Nossa Senhora Aparecida, e por consequência feriado nacional. É também a data do aniversário de d. Pedro I, que tão intimamente está ligado à história de São Paulo por ter posto o arrabalde do Ipiranga no mapa. Também existe outra efeméride a ser comemorada e essa mais provinciana, mais pequena, porém não medíocre. Em 12 de outubro de 1814 foi inaugurado o Obelisco da Memória, que se encontra no mesmo lugar há quase duzentos anos. Quem desce no metrô Anhangabaú e sobe as escadas rolantes para chegar até a rua Xavier de Toledo tem ele a sua esquerda, no Largo da Memória. Esse obelisco, ou, como chamavam os antigas paulistas, essa “Pirâmide do Piques”, tão acanhada, suja e pichada, é o primeiro monumento urbano da cidade de São Paulo. Para quem não é paulista pode parecer uma enorme bobagem, mas encontrar vestígios do passado na “cidade que não pode parar” é uma glória – estou falando de vestígios originais, não daquela farsa cenográfica que conhecemos por Páteo do Colégio, mas isso já é tema de outro post.

Foto de Militão Augusto de Azevedo

O Obelisco do Piques foi projetado pelo engenheiro militar Daniel Pedro Müller e executado pelo Mestre Vicentinho. O local assinalava uma das portas de entrada da cidade. Os tropeiros vindos de Sorocaba passavam por lá e comercializavam seus gêneros para os atacadistas da região. No local funcionava o que podemos, a grosso modo, chamar de o primeiro centro de abastacimento da capital paulista. Também por ali transitavam os viajantes rumando para o centro da cidade, cruzando a ponte do Piques sobre o rio Anhangabaú. Saint-Hilaire deixou-nos diversas impressões sobre o local alguns anos depois da inauguração: gostou da fonte, que não existe mais, e do obelisco, e detestou a pousada do tal português Bexiga, que ficava na região e que teria contribuído para dar nome ao bairro.

Após um longo e tenebroso inverno, estou tentando voltar. Histórias para contar é o que não faltam, afinal, uma cidade com mais de quatrocentos anos produziu-as aos milhares. O problema é o tempo para se dedicar a isso! Mas vou tentar não deixar o blog tão abandonado.