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Os Segredos da Cripta, ou como uma arqueóloga obstinada, um escritor ansioso, um ex-segurança fortão e a Marquesa de Santos, ajudaram a resgatar o corpo da Imperatriz Amélia.

Creiam-me, o título quixotesco, inspirado nos do escritor e jornalista Laurentino Gomes, não descrevem nem um terço de todas as aventuras passadas dentro da Cripta Imperial!

Dizem que o desespero faz com que tomemos resoluções que racionalmente nem cogitaríamos. Desespero, aflição e, sobretudo, ansiedade foram os motores que me impulsionaram em 30 de junho de 2012 até o Cemitério da Consolação para levar flores ao túmulo da Marquesa de Santos.

Já havia terminado em maio a biografia da Domitila, que queria lançar em setembro durante as comemorações dos 190 anos da Independência. A minha editora, a Geração Editorial, pacientemente – mais do que eu, aliás – aguardava para poder lançá-la. O leitor deve estar perguntando: como assim? Aguardava o quê? E a resposta é: a Amélia.

Às vésperas do carnaval de 2012, eu estava encarregado de realizar uma permuta de publicações entre o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo e o Museu da Cidade de São Paulo, cuja sede fica no Solar da Marquesa de Santos. Numa tarde, encontrei-me com a ex-diretora do Museu, Regina Pontes, que comentou comigo a respeito de uma arqueóloga que queria realizar um estudo a respeito dos restos mortais de d. Pedro I e das imperatrizes d. Leopoldina e d. Amélia, sepultados na cripta imperial, embaixo do Monumento da Independência, no Ipiranga.

Certa vez, o Maurício Ferreira, diretor do Museu Imperial, me contou um chiste que haviam dito a ele: “Museu é o seguinte: se cobrir, vira circo, se cercar, vira hospício”. Com base nisso, as minhas exclamações eram até justificadas: “Mais uma louca?”, “A família imperial autorizou?”. Calculando as toneladas de papel que seriam necessária para se obter as permissões para uma operação de tamanha magnitude, soube, pela Regina, para meu total espanto, que a “louca” em questão já estava autorizada por todas as instâncias e, para completar, havia montado uma equipe multidisciplinar de fazer inveja. A publicação do fechamento da Cripta para os trabalhos da arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel sairia no Diário Oficial do Município durante o carnaval.

Passado o impacto da notícia, me lembrei de alguns documentos sobre a morte de d. Leopoldina, como extratos de jornais da época de seu falecimento, que a querida amiga Mary Del Priore havia me enviado. Além disso, por uma dessas coincidências do destino, no mesmo dia em que soube da futura exumação, eu havia descoberto os documentos referentes ao traslado do corpo da imperatriz do Rio para São Paulo na década de 1950. Esse material, restrito à consulta, haveria de ser importante para a pesquisadora.

Contei isso tudo para a Regina e perguntei se ela poderia me colocar em contato com a arqueóloga para falarmos sobre o material. Na mesma hora, ela ligou para a Valdirene e fez a ponte. Assim tinha início a maior aventura da minha vida.

Primeiro, foi o convite para participar da exumação de D. Leopoldina, em 27 de fevereiro de 2012. Depois, a ajuda, inclusive envolvendo o Instituto Histórico e Geográfico e membros lusitanos da instituição, para a identificação das medalhas com as quais d. Pedro fora enterrado.

Para quem não tem a mínima ideia de como é a cripta, preciso destacar um detalhe: o projeto original só previa os sepulcros dos soberanos envolvidos no processo da independência, ou seja, d. Pedro e d. Leopoldina. A planta da cripta, em forma de cruz grega, tem, em cada um de seus braços um elemento. A entrada do espaço fica em um, diante da entrada fica o altar, do lado esquerdo o sarcófago de D. Pedro I e diante desse, no braço direito, o sarcófago de D. Leopoldina.

Se era “fácil”, tirando questões como peso e outros fatores, abrir as tumbas dos dois imperadores, ninguém tinha a mais pálida ideia de onde se encontrava o corpo de d. Amélia. A única pista era uma placa de granito gravada na parede que informava o nome dela e seus títulos, um deles errado. Onde haviam enfiado a mulher? Em qualquer ponto civilizado do planeta, haveria uma planta no órgão responsável pelo monumento indicando isso, menos em São Paulo…

Um serviço de georradar contratado realizou a varredura da parede onde estava a inscrição e verificou anomalias abaixo dessa pedra. A prefeitura impôs uma condição para que a placa pudesse ser quebrada: uma nova laje de granito verde (Ubatuba) deveria ser levada ao local para que técnicos do Departamento de Patrimônio Histórico a examinassem; se estivesse condizente com as especificações, podia-se descer o martelo, e a imperatriz emparedada finalmente veria a luz. Mas… sempre existe um mas… o custo total de R$ 3.000,00 para a compra e instalação dessa pedra foi a parte, digamos, mais fácil, apesar do susto do valor, que foi rateado em três cotas.

Aí começou a parte do circo e hospício. Chegaram as técnicas do DPH responsáveis pelo monumento para verificarem se a pedra comprada era semelhante à que seria destruída durante a busca por D. Amélia. Primeiro criticaram que não era totalmente igual (Olá? Dona… err… então, a natureza não cria duas pedras idênticas…), depois vieram com um discurso de que, quando o espaço museológico acima da cripta foi criado, “uma certa caixa ficou rodando por lá”, causando temor aos operários, que imaginavam que o receptáculo contivesse os restos mortais de alguém. Depois de mandarem os trabalhadores “rezarem um pai-nosso”, foi ordenado que a caixa fosse concretada no piso superior. Informação bastante válida, se a pedra de R$ 3.000 já não houvesse sido adquirida e devidamente esnobada por “não ser igual à outra”…

Valdirene resolveu literalmente pagar para ver: mandou quebrar o granito onde o georradar apontou as anomalias e encontrou: TERRA… Nada mais que terra… O georradar foi novamente utilizado, agora no local onde as técnicas do DPH informavam ter concretado alguma coisa que não tinham ideia do que seria. Apareceram duas anomalias. Uma delas realmente apontava para uma caixa de concreto medindo 70×70. Estaria ali d. Amélia?!?!

Mas havia algo errado nessa história toda. Em uma visita a Petrópolis, em junho, fiquei sabendo pelo Maurício Ferreira, história confirmada pela Neibe Machado, do arquivo histórico, que o antigo diretor da instituição, Lourenço Luiz Lacombe, esteve presente na exumação e no traslado da imperatriz d. Amélia na década de 1980 e relatou que o corpo dela se encontrava em perfeito estado de conservação, fato registrado em uma ata do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Como um corpo em perfeito estado havia sido acondicionado dentro de uma caixa de 70×70 cm? Esquartejaram a ex-imperatriz? Cremaram o corpo à revelia da família imperial? Dúvidas e mais dúvidas saltavam a cada informação desencontrada.

Nova consulta ao DPH, quebra, não quebra? As técnicas que haviam ido inicialmente à cripta, a essa altura, desapareceram. Uma teria ficado doente, segundo informações dadas, e a outra foi cuidar da uma. Quebra, não quebra? Consegue autorização ou não? Parecia que só as duas poderiam falar sobre o assunto, não se conseguia outro técnico, e minha ansiedade em modo 5… Nada de eu poder lançar a biografia da Domitila, que já dormitava havia quase três meses. Por conta de o trabalho da Valdirene estar correndo sob sigilo acadêmico, eu não podia falar a respeito da exumação de d. Leopoldina e das descobertas feitas antes que a arqueóloga defendesse o seu mestrado. Com isso, a biografia da Marquesa estava inexoravelmente amarrada a d. Amélia. Maldosamente, comecei a imaginar que a imperatriz continuava prejudicando a vida da Domitila 183 anos depois da expulsão da amante de d. Pedro da corte…

Meus nervos finalmente cederam, e eu resolvi apelar a todos os anjos e santos, e por que não à própria Marquesa de Santos? No seu túmulo, há placa agradecendo graças alcançadas, e, para o estabelecimento do mito da Marquesa, eu pesquisara e entrevistara pessoas que diziam ter conseguido milagres depois de apelarem à ex-amante do imperador. Mandando às favas qualquer escrúpulo, pensei que tinha uma barganha para fazer com a Marquesa. Se, por um lado, d. Amélia foi o fator principal de sua expulsão da corte e consequente exílio paulista, foi a mesma imperatriz quem criou a Duquesa de Goiás, filha de Domitila com d. Pedro, como se fosse sua própria filha e a fez se casar muito bem na alta nobreza alemã. Quem sabe a Marquesa de Todos os Santos e Demônios não se sentiria tocada com o arrazoado de seu biógrafo junto ao seu túmulo? Achei que deveria levar lírios brancos. Mas, obra do destino, parecia que lírios não haviam acordado para trabalhar no dia 30 de junho em São Paulo! Após a terceira parada, os achei, de cor laranja! Enfim, teriam de servir.

Cemitério da Consolação, lírios e orações feitas, volto para casa, recado na secretária eletrônica: era o Carlos Beutel, da Caminhada Noturna, me chamando para participar da caminhada do dia 12 de julho para falar sobre quem? Obviamente sobre a Marquesa de Santos. Convite aceito, nesse meio tempo, a Valdirene, ainda enfrentando mais uma semana de quebra-não-quebra, conseguiu o contato com Emanuel von Lauenstein Massarani, um dos responsáveis pelo traslado de d. Amélia de Portugal para o Brasil.

Conversando com o Massarani, Valdirene soube que o buraco aberto e a laje de granito quebrada podiam não ter sido em vão. Se a escavação avançasse mais para cima, haveria de se chegar aonde estaria o caixão. Acreditar no Massarani seria pôr em dúvida todas as informações prestadas pelo DPH até então, mas, na altura do campeonato, não havia por que não arriscar. Decidida, como sempre, Valdirene cavou e realmente encontrou algo que parecia ser uma laje de concreto, bem acima do buraco aberto na terra. Nesse meio tempo, o Carlos Beutel havia me ligado dizendo que o outro palestrante precisava trocar o dia, se eu me incomodava de transferir o passeio em que falaria sobre Domitila para o dia 19. Coincidência ou não, nesse dia, bem cedo, por volta das 7 da manhã, cheguei ao monumento do Ipiranga. Encontrei a Valdirene do lado de fora, e entramos junto com outros funcionários de uma empresa que a auxiliava. Começou a escavação e a remoção de mais terra. Realmente, era uma laje, e algumas paredes já se tornavam visíveis. Por volta das 11h, foi rompido um pedaço pequeno do concreto, de tamanho suficiente para uma microcâmera passar pelo buraco aberto.

A emoção tomou conta de todos os presentes ao vermos os primeiros detalhes do caixão de madeira no monitor da câmera digital que nos revelava o que havia por detrás do concreto. Nunca vou me esquecer da reação da Valdirene: “Nós achamos a Amélia”. Era ela a mestranda, foi ela que nunca desistiu de achar o caixão perdido. O caráter das pessoas se mede em momentos de grande emoção como esses, e ela, com aquela frase, deu prova de sua generosidade ao inserir todos os que estavam naquela cripta como agentes da sua descoberta.

O caixão, pelo que as imagens revelavam, estava intacto. Estávamos, dentro do buraco, embaixo do túmulo que havia sido feito para a ex-imperatriz.

O meu tempo já estava ficando curto, ainda tinha trabalho a fazer antes de me unir à Caminhada Noturna às 20h, em frente ao Teatro Municipal. Me despedi de todos e fui cuidar da vida, da melhor maneira que podia, afinal, não me saía da mente a “coincidência” de ter pedido “ajuda” para a Domitila para achar d. Amélia e, no dia em que ela foi achada, ter que palestrar sobre a Marquesa. E que palestra! Como foi duro me segurar durante mais de duas horas para não falar sobre o que eu havia vivenciado naquela manhã. E como e quanto falei! Por alguma razão, a caminhada descontrolou-se: ao invés de terminar às 22h, nesse horário estávamos ainda diante do Mosteiro de São Bento, em silêncio, ouvindo a música de seu maravilhoso carrilhão marcar a hora cheia. O passeio se estendeu por mais 45 minutos, e eu não me importando nem um pouco em falar sobre a Titília, ainda mais naquele dia tão especial e que entraria para a história.

Achado o sepulcro, o caixão precisava ser retirado do local para proceder à identificação do cadáver e aos demais exames da Valdirene e equipe. Achei que a empresa de restauro que estava assessorando a arqueóloga iria enviar um técnico para coordenar os trabalhos, o que não ocorreu, e, numa ligação em pleno domingo, fui intimado pela Valdirene, devido a minha formação em arquitetura, para comparecer à cripta às 7 horas da manhã de 23 de julho, segunda-feira.

Figura 1 Eu escorando o caixão, Célio próximo do caixão e Valter Muniz escorando a rampa por onde o caixão vinha deslizando.

Figura 1 Eu escorando o caixão, Célio próximo do caixão e Valter Muniz escorando a rampa por onde o caixão vinha deslizando.

            Figura 2 Momento em que colocamos o caixão da Imperatriz Amélia nos cavaletes armados diante do altar

Figura 2 Momento em que colocamos o caixão da Imperatriz Amélia nos cavaletes armados diante do altar

Os trabalhos se iniciaram realmente cedo. Um ajudante de obras, Célio Jr., se destacava. Bastante disposto e concentrado no trabalho que fazia e no que eu dizia, foi tirando lentamente as fileiras de blocos, rompendo a laje de concreto, sustentando o caixão com uma coluna de madeira, para que ele não despencasse na cabeça de ninguém. O trabalho foi lento, mas preciso. Não se devia quebrar nem de mais, nem de menos, tudo na medida certa, com calma, para não ocorrerem imprevistos e desabamentos. Somente após as 18h, já com boa parte do piso e das paredes da sepultura quebrados, demos início à retirada do caixão. Como aquilo pesava! Várias vezes, o hercúleo Célio foi obrigado a entrar novamente no buraco e erguer o ataúde nos ombros enquanto nós acertávamos a inclinação da tábua que o faria deslizar para fora. Houve momentos em que ficou evidente para todos que lá estavam que, se não fosse pela força de vontade desse funcionário e sua dedicação, d. Amélia sofreria muito mais para sair de dentro da parede. Finalmente, por volta das 20h, o caixão já estava do lado de fora, em cima de um cavalete, diante do altar e entre os túmulos de d. Pedro e d. Leopoldina. D. Amélia comemoraria seu aniversário de 200 anos, em 31 de julho, livre do emparedamento.

Óbvio que saímos de lá e fomos comemorar em uma padaria próxima ao monumento. Conversa vai, conversa vem, o Célio começou a falar espontaneamente da Domitila. Puxei-o pela língua, e a história toda fluiu. Ele contou que trabalhara em uma empresa de segurança (se alguém visse o tamanho dele, entenderia o porquê) que prestava serviço para a Prefeitura e estava lotado inicialmente no Solar da Marquesa de Santos. Começou a nos relatar sobre as coisas estranhas que lá ocorriam e do respeito que sentia pela ex-amante de d. Pedro, chegando até a dar bom dia para a grande dama quando o sol começava a raiar e seu turno chegava ao fim. Mas a cereja do bolo realmente foi a história que ele nos contou sobre uma estranha foto em que um vulto feminino – que alguém disse ser a Marquesa – apareceu do nada, refletido no vidro que protege um altar na exposição que acontece no Solar. Essa história não havia se espalhado, somente gente da administração e alguns funcionários do Solar sabiam dela, e eu a conhecia pois me repassaram a imagem. Pois bem, naquele exato momento, descobri que estava diante do autor da foto.

Devido à mudança de escala, ele foi enviado para fazer a segurança do monumento. Acabou se interessando e ajudando a Valdirene no início, até que soube que a empresa em que trabalhava não prestaria mais serviço à Prefeitura e conseguiu uma colocação na empresa de restauro que assessorava a arqueóloga.

Saí do convescote abismado. Não é que a Titília era boa mesmo? Não só a d. Amélia apareceu, mas ainda a Marquesa enviou ajuda para tirar a ex-imperatriz da parede!

Bem, a Valdirene, que eu achei que fosse louca no início desta história, devido a sua persistência e determinação inquebrantável, deu a São Paulo sua primeira múmia. A imperatriz d. Amélia foi tão bem embalsamada que está completamente intacta, inclusive com os órgãos internos preservados.

O que seria do mundo e da história sem os loucos? Fora que eles são muito mais divertidos e interessantes que os ditos “sãos”.

Agora, na cripta, só existe mais um segredo: o que será que concretaram no piso do espaço museológico? Alguns dos loucos acham que é uma marmita velha, outros, que se tratava da “pedra fundamental” do Monumento à Independência lançado no início dos anos 1920 e que bem poderia estar onde disseram que acharam a caixa… Seja lá o que for, acho que dessa vez nem com todos os lírios do mundo a Domitila vai ajudar a descobrir o que está lá.

Planta indicando a localização em que estava a Imperatriz Amélia

Planta indicando a localização em que estava a Imperatriz Amélia

Elevação 3d indicando a caixa de concreto onde se encontrava o ataúde de D. Amélia

Elevação 3d indicando a caixa de concreto onde se encontrava o ataúde de D. Amélia

Festa de Aniversário de 200 para a Imperatriz Dona Amélia, de corpo presente.

Alguns jornais, revistas e programas de televisão já falaram bastante sobre a exumação e conservação dos remanescentes humanos dos primeiros Imperadores do Brasil na Cripta Imperial, trabalho coordenado pela arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel. Porém, como nenhum jornalista estave presente durante os trabalhos, somente algumas curiosidades foram reveladas até agora. Uma delas, sem dúvida a história mais inusitada, o São Paulo Passado dará com exclusividade.

Os apaixonados pela história paulista devem já ter ouvido falar sobre uma outra comemoração que se tornou lendária. Ela ocorreu quando o então Governador Adhemar de Barros deu um banquete para 50 pessoas dentro da barriga do cavalo do Monumento ao Duque de Caxias. Uma outra que deve entrar para a lenda urbana paulista foi a que ocorreu na tarde de 31 de julho de 2012 no Ipiranga.

Cláudia Witte, biógrafa de D. Amélia

Cláudia Witte, biógrafa de D. Amélia

Enquanto grupos monarquistas preparavam-se para jantares no Rio de Janeiro e em São Paulo em homenagem ao aniversário de 200 anos da Imperatriz Amélia de Leuchtenberg, na cripta do Ipiranga, uma comemoração muito mais despojada, animada e inusitada ocorria. Velinhas rosas (uma lembraça da Ordem da Rosa e da condição feminina da aniversariante) ornavam um belo e suculento bolo de chocolate vindo da Padaria Maria Louca. Afinal, não é avó que geralmente é a boleira da família? Também tinha brigadeiro, sanduíche de metro e outros acepipes, além de refrigerante, tudo para homenagear a Imperatriz Amélia, de corpo presente. Obviamente, ela foi respeitada, e o ataúde não foi aberto, até porque seria desconfortavel participar dos comes e bebes com máscaras e luvas cirúrgicas cobrindo rostos e mãos.

Além de alguns membros da equipe da Valdirene Ambiel, como eu, Paulo Rezzutti, e o hérculeo Célio Jr., que suou muito para “tirar a Amélia do buraco” (falaremos sobre esse assunto em outra matéria), estavam presentes também os funcionários da cripta, tanto os seguranças quanto o pessoal do educativo, e a “arquiteta” dessa festa toda, a pesquisadora Cláudia Witte, biógrafa da Imperatriz Amélia.

“A abertura de dona Amélia foi poucos dias antes de seu aniversário de 200 anos. Eu já havia comemorado o dia de seu aniversário em casa, com bolo e velas, em outros anos, mas dessa vez, além da data especial, havia a possibilidade de tê-la presente, era imperdível!”, afirma Cláudia Witte. A biógrafa ainda providenciou cópias coloridas de retratos de todos os familiares de Dona Amélia, incluindo dos locais na Europa onde a ex-imperatriz viveu. “Cantamos parabéns e prestamos uma homenagem nada oficial, mas de coração, para ela. Só não tive coragem de levar minha filha de 4 anos porque fiquei com medo de ela contar na escola que tinha cantado parabéns para uma múmia e mandarem me internar!”, confessa.

VAldirene Ambiel e Cláudia Witte durante a exumação de D. Amélia

VAldirene Ambiel e Cláudia Witte durante a exumação de D. Amélia

Uma outra emoção muito grande pela qual a biógrafa de Dona Amélia passou havia sido o convite surpresa da arqueóloga Valdirene para abrir a tampa do caixão da ex-imperatriz durante a exumação, feita 5 dias antes. “Foi uma surpresa, só fiquei sabendo alguns instantes antes, e foi um grande presente para mim. Enquanto estava vestindo a roupa de proteção, me lembro de ter pensado: ‘eu sei que esse momento vai ficar guardado para sempre na minha memória’! Foi um privilégio único, que poucos biógrafos até hoje devem ter vivenciado…”.

Mas as surpresas com D. Amélia não ficaram restritas apenas a abrir o caixão junto com a arqueóloga. Segundo Cláudia, não era novidade que a ex-imperatriz houvesse sido embalsamada em 1873, e que em 1982, quando ocorreu o traslado do corpo dela para o Brasil, sabia-se que ele estava muito bem preservado. Entretanto, “após 30 anos, com todos os problemas de umidade e principalmente por já ter tido contato com o ar atmosférico, não imaginávamos que ela continuasse tão intacta. Quando a vimos, foi uma emoção muito grande, e a Valdirene me disse: ‘Está vendo? Isso é arqueologia, é adrenalina pura!’. Nós pulamos e nos abraçamos, foi muito emocionante!”.

Festa de Aniversário dos 200 anos de nascimento de D. Amélia.

Festa de Aniversário dos 200 anos de nascimento de D. Amélia.

Outra curiosidade é que D. Amélia não queria ser embalsamada. Uma das grandes descobertas da Cripta teria ocorrido por mero acaso, segundo Cláudia: “D. Amélia havia deixado por escrito em seu testamento que queria uma cerimônia fúnebre muito simples, não queria ser embalsamada, nem autopsiada. Mas só abriram o testamento depois do funeral, e aí ela já havia sido embalsamada”. Uma das hipóteses para o caso, levantada pela biógrafa, é que, por ocasião da morte da princesa d. Maria Amélia, filha de D. Pedro I e D. Amélia, ocorrida na Ilha da Madeira, a ex-imperatriz havia determinado que o corpo da jovem fosse embalsamado, para poder ser velado durante várias semanas na ilha até ser embarcado para Portugal, onde permaneceu algum tempo fora do Panteão dos Braganças. Provavelmente, segundo Cláudia, os médicos que acompanhavam dona Amélia, entre eles o que havia cuidado de sua filha, decidiram fazer o que ela própria havia feito.

Cláudia espera que a apagada figura da segunda imperatriz do Brasil possa agora ser resgatada, e o fato do corpo preservado pode ser um gancho para isso. “Espero que essa grande descoberta desperte o interesse por nossa segunda imperatriz, que, embora não tenha tido o mesmo vínculo com o Brasil que seu esposo, ou que dona Leopoldina, também teve uma vida bastante interessante e deixou grandes obras”.

Ao fundo, da esquerda para a direita, Paulo Rezzutti e Célio, Do outro lado do ataúde, Valdirene Ambiel e Cláudia Witte

Ao fundo, da esquerda para a direita, Paulo Rezzutti e Célio, Do outro lado do ataúde, Valdirene Ambiel e Cláudia Witte

Por mais inusitada que seja uma festa dessas, hoje, por conta dela, todos os funcionários da Cripta, dos Seguranças ao pessoal do Serviço Educativo, sabem muito mais sobre a segunda Imperatriz do Brasil do que pode ser visto nos painéis de uma desaparatada instalação informativa sobre a Independência Brasileira, o local e seus ocupantes.

Segundo a arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel, a quem também ouvimos para esta matéria, essa também é a proposta do seu trabalho: “A pesquisa arqueológica realizada nos remanescentes humanos depositados na Capela Imperial do Monumento à Independência é importante por mostrar uma outra abordagem para a história do Brasil e principalmente para preservação da memória e identidade nacional. Só se preserva o que se conhece e, acima de tudo, se identifica”.

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Exumação da Família Imperial, ou o término de velhos mitos e início de novos

Com a defesa de mestrado da arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel, no Museu de Arqueologia e Etnografia da USP, na última segunda-feira, dia 18 de fevereiro. O Brasil e todo o mundo passaram a ter contato com o trabalho que ela e sua equipe realizaram junto aos remanescentes humanos dos primeiros imperadores do Brasil. D. Pedro I, D. Leopoldina e D. Amélia foram exumados no ano passado e seus corpos e pertences foram examinados.

Diversas descobertas curiosas chegaram ao grande público, como a roupa de gala com a qual D. Lepoldina foi enterrada, o fato de D. Pedro ter sido sepultado como oficial do exército português, e, consequentemente, sem qualquer comenda brasileira, nem mesmo a Ordem da Rosa, por ele criada especialmente para sua segunda esposa, a Imperatriz Amélia de Leuchtenberg. Mas, claro, que, para grande parte das pessoas, uma imagem que nunca mais será esquecida é da múmia da Imperatriz Amélia. O brasileiro é um povo bem humorado, já vi no Twitter algum gaiato dizendo que desde 1876 (data errada da morte da segunda Imperatriz, ela faleceu em 1873) a segunda esposa é bem mais conservada do que a primeira.

Bem, aparentemente, D. Leopoldina não perdeu seu bebê por conta de alguma surra que D. Pedro lhe teria dado antes de embarcar para o sul, para liderar a Guerra da Cisplatina. Era o Brasil que estava apanhando nessa guerra, não nossa primeira imperatriz. Os exames detalhados na ossada da meiga Leopoldina não mostram indícios de espancamentos que poderiam tê-la levado a óbito. Um mito destruído, implantado pelos detratores de D. Pedro, a menos.

Entre os diveros itens descobertos por Valdirene e equipe, e restaurado com o maior profissionalismo pelo perito forense Valter Diogo Muniz, está um brinco de ouro 18 k  que teria uma pedra de resina. Estranho não ser de pedra preciosa, questionam alguns. Ouro 18 k? Perguntam outros. “Tem bijuteria na 25 de março mais bonita”, ouvi ontem. Bem, pela delicadeza da peça eu arriscaria dizer que é uma peça dada para uma criança. Talvez D. Lepoldina teria recebido essa peça quando ainda era pequena e trazida junto com sua mudança para o Brasil. A pesquisadora Claudia Witte tem uma hipótese interessante que compartilhou comigo esses dias. Ela contou duas coisas que eu desconhecia por completo. Primeiro que tanto na Europa quanto em outros países jóiais são sim feitas com ouro 18k, não era o mundo todo que tinha a quantidade de ouro que tinhamos no Brasil para termos sempre jóias feitas com 24k, e quanto a resina, eu gostaria muito que os pesquisadores verificassem de que resina se trata. Pois, se for ambar, essa peça tem mais história do que ser uma mera “bijuteria”.

É comun em países germânicos como Suíça, Alemanha e Áustria, até nos dias de hoje, o costume de se presentear uma criança com peças de ambar, colares e brincos são os mais frequentes. Segundo essa tradição, o ambar seria uma pedra que protegeria a criança de ingerir algum alimento mal preparado ou estragado. A jóia era dada assim que a primeira dentição aflorasse. Nesse momento, a criança abandonava o leite materno e passava a ingerir comida mais sólida, levando a uma preocupação com engasgos e até envenamentos.

Uma das questões por  Valdirene levantadas durante a sua defesa de Tese, e elogiadíssima por todos os professores da banca, é que não se preserva o que não se conhece. Nunca na história deste país – roubando o chavão do ex-presidente Lula – , os três imperadores estiveram tão na mída e na boca do povo, não só aqui como no mundo todo. As opiniões que estão pipocando na imprensa e entre as pessoas em geral, algumas até condenado os trabalhos por conta de “violação de cadáver” etc, fazem parte. Assim como esse texto, que busca contextualizar um brinco que pode ser bem mais do que uma simples e rasteira “biju da 25”

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O dia de finados: a marquesa de Santos é pop

Regina Cascão, do Colégio Brasileiro de Genealogia, todo ano, à época do dia de finados, envia para a GenealBr, uma lista de genealogia da qual participo, uma bonita mensagem sobre as três mortes do ser humano, que reproduzo em parte abaixo:

“No México existe a crença de que cada pessoa morre três vezes. A primeira é no momento em que suas funções vitais cessam. A segunda é quando o seu corpo é colocado na tumba. A terceira acontece em algum momento no futuro, no qual o nome do falecido é pronunciado pela última vez. Aí então a pessoa realmente morre.” (Para ver o texto origial clique)

Miniatura retratando a Marquesa de Santos (col. particular)

Há exatos 143 anos, em 3 de novembro de 1867, falecia no Palacete de Carmo, vizinho ao Pátio do Colégio, no centro de São Paulo, Domitila de Castro Canto e Melo, a marquesa de Santos. Se os mexicanos estiverem certos, a marquesa não terá com que se preocupar durante sua eternidade! Soube no fim de semana que Paula Lavigne irá produzir um filme sobre a ilustre paulistana, e hoje li que Rosi Young afirma que ela é quem vai transportar para a tela a história de Domitila. Faço votos para que alguém realmente faça, e que a película não chova no molhado sem acrescentar novidades sobre uma das principais figuras femininas do Primeiro Reinado.

Além desse futuro filme, a Geração Editorial relançou no ano passado o Marquesa de Santos, do Paulo Setubal, e sei, de fonte bastante fidedigna, que um novo livro sobre d. Pedro I e a Marquesa de Santos será lançado no ano que vem, tranzendo muitas novidades sobre os amores imperiais do primeiro governante do Brasil independente.

Espero que alguém, além de Maria Fernanda Cândido na belíssima palestra produzida pela Casa do Saber para a exposição sobre Domitila no ano passado, aborde as diversas facetas dessa mulher.

Pistoleira, alpinista social, canalha, ela já foi chamada de tudo um pouco, mas quem realmente foi Domitila? Uma mulher, como diversas outras, que se viu nas graças de alguém poderoso que a amou a ponto de elevá-la.

Em 1819, após ter sido esfaqueada em São Paulo pelo primeiro marido, alguns dizem por traição, outros porque ele era um mau-caráter que fazia ela e os filhos passarem necessidades, Domitila resolveu se separar.  Um escândalo para a época, mas não para os Toledo Ribas e nem para os Canto e Melo, pois a tia materna também era uma divorciada. A briga que se seguiu pela guarda dos filhos a levou a pedir intercessão de d. Pedro I, que estava em São Paulo em agosto de 1822. Apaixonaram-se e… bem, aí ele chamou-a para morar no Rio de Janeiro e manteve praticamente uma segunda família além da oficial, com Domitila ficando grávida praticamente junto com a imperatriz Leopoldina diversas vezes, tanto que o único filho homem que d. Pedro teve com a marquesa tinha diferença de dias com o futuro Pedro II. Vivos desse relacionamento só sobraram duas meninas, Isabel Maria, Duquesa de Goiás, e Maria Isabel, Condessa de Iguaçu por casamento (OK, eles não foram criativos). Isabel Maria foi mandada para ser educada em Paris, com cinco anos. Belinha, como Pedro I a chamava, era a sua filha preferida. Casou-se na nobreza alemã, onde deixou uma grande descendência. A outra filha, Maria Isabel, epilética como o pai, nasceu após o banimento da mãe da corte e foi criada por Domitila em São Paulo. Casou-se com um filho do Marquês de Barbacena, o mesmo que trouxe a bela e virgem princesa alemã Amélia de Leuchtenberg, de 17 aninhos, para ser nossa segunda imperatriz.

Detalhe do túmulo da Marquesa de Santos no Cemitério da Consolação, São Paulo

Milhares de pessoas que visitaram seus parentes ontem no cemitério da Consolação, em São Paulo, devem ter rezado na capela, que fica praticamente na frente do túmulo em que jazem os restos mortais de Domitila. Mas poucos sabem que é à marquesa que São Paulo deve a edificação dessa capela. No seu testamento, além de lembrar-se de dar alforria aos escravos e providenciar que os filhos cuidassem deles, de ajudar seus parentes e doar dinheiro para os pobres que não solicitavam esmolas, ela também deixou determinada a doação de dinheiro para a capela do novo cemitério. Como história é para os que têm memória, ou que gostam de determinado assunto, acho que vou entrar com uma reclamação no Ministério Público (está na moda) para que a Prefeitura seja obrigada a tirar aquela placa falando que Domitila foi a doadora das terras para constituir o cemitério da Consolação. Além de paulista não gostar de sua história, ainda a Prefeitura contribui com a situação contando de forma errada!

Será que a eleição de Dilma Rousseff como primeira presidente do Brasil fará com que os olhos dos brasileiros voltem-se para as suas figuras femininas do passado? É torcer!