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A Burrocracia e a Pesquisa Histórica

Recentemente o escritor Laurentino Gomes, em um artigo do seu blog, comentou sobre as cartas que descobri em Nova York, publicadas no livro “Titília e o Demonão“, e lançou a pergunta: “A quem interessa esconder o passado?”.

Envolvido nas pesquisas para a conclusão da biografia “Domitila de Castro, a verdadeira história da Marquesa de Santos”, me deparei com a mesma questão levantada pelo autor de “1808” e “1822”. Em um livro chamado “História do Império: O Primeiro Reinado”, de Tobias Monteiro, o autor lança uma nota de rodapé um tanto quanto hermética:

Em país estrangeiro há, em mãos de uma sociedade de estudos históricos, preciosa coleção de cartas de D. Pedro I a Domitila, que o A. durante cerca de vinte anos debalde procurou fazer copiar, sem vencer a obstinação do respectivo presidente, insensível aos mais valiosos pedidos de compatriotas seus. Talvez um dia o exame desses documentos algo esclareça acreca deste assunto, a menos que eles não sejam de certa espécie, inconvenientes à publicidade.”

Decifrando: Alberto Rangel, o primeiro historiador dos amantes, soube que na Hispanic Society haviam cartas de Pedro para Domitila, mas Mr. Huttington, criador e presidente da instituição até sua morte, na década de sessenta do século passado, obstinadamente, sem razão alguma, impediu o pesquisador de ter acesso às cartas que eu reencontrei. Tal como Moisés diante da Terra Prometida, Rangel foi impedido, pela censura de um estrangeiro, de ver completa a obra que lhe consumiu mais de meio século, uma publicação contendo todas as cartas conhecidas trocadas entre o casal.

No Brasil não precisamos de censura para que a roda da pesquisa trave. Temos nossa herança lusitana: a Burrocracia. Até estudantes do ensino fundamental sabem como algumas bibliotecas e Centros Culturais em nosso país funcionam, com raras e gloriosas exceções. Se o microfilme está funcionando, não existe papel para tirar cópia do artigo de que você precisa; se tem papel, é a máquina que está quebrada e não tem previsão de conserto “porque o administrativo ainda não teve tempo de mandar uma solicitação para que seja feita uma licitação”… Com a copiadora idem!

Determinados museus, como o Museu Imperial, em Petrópolis, com o seu excelente atendimento a distância, pertencem a um mundo a parte. Tudo funciona, prazos são cumpridos, e o pessoal atende sempre com simpatia e prestatividade. Me iludi terrivelmente. Ao ser mimado por eles, imaginei que outros arquivos federais funcionassem do mesmo modo… “Ledo e ivo engano”, parafraseando Cony. Em alguns você simplesmente perde a viagem, como recentemente ocorreu, pois me atrevi a aparecer, no dia de atendimento ao público de um arquivo, sem marcar hora – no site da instituição não dizia que isso era necessário. Os funcionários que deveriam estar realizando atendimento encontravam-se todos em um imenso salão cheio… de moscas. Uma atendente lia catálogo da Natura, a outra lixava a unha, e um terceiro não desgrudava do seu celular pelo qual enviava sms. Quanto a mim, tive que voltar com hora marcada…

Em outras instituições, já passei por um trabalho gigantesco de identificação. Como não pertenço à USP ou a alguma universidade, e pela minha idade, que vergonha, nem professor sou, me identifico como mero e simples “pesquisador independente”. Os atendentes ficam ao redor como se a qualquer momento você fosse enfiar um documento raro no bolso. Pena que o extremo cuidado é só com os consulentes. Já foi mais do que provado pelas notícias de jornais que os saques ocorridos em instituições brasileiras, cujos produtos, não raro, vão parar em leilões no Brasil e no exterior, são praticados de dentro para fora. Estagiários, ou até mesmo presidentes dessas instituições, numa prática muito comum no país, confundem o público com o privado, e o pobre do historiador de final de semana é que paga o pato…

A censura de documentos no Brasil prevalece? Se prevalecer, provavelmente, haverá algum burocrata de plantão que fará com que a censura tenha que preencher tantas vias necessárias para que seja impedido determinado documento de ser exposto que, quando o trabalho finalmente terminar, o documento já terá sido corroído pelas traças…